Em 1787, alguém em Nova Jersey – exatamente quem parece hoje ter sido esquecido – encontrou um fêmur enorme projetando-se para fora de uma margem de rio em um local chamado Woodbury Creek.
O osso claramente não pertencia a nenhuma espécie de animal ainda viva, pelo menos não em Nova Jersey. Do pouco que se sabe agora, acredita-se que tenha pertencido a um hadrossauro, um grande dinossauro com bico de pato. Naquela época, os dinossauros eram desconhecidos.
Encontrado foi também o primeiro a ser perdido.
O fato de o osso não despertar maior interesse é bem estranho, pois ele apareceu numa época em que os Estados Unidos viviam uma onda de entusiasmo em torno dos resquícios de animais grandes e antigos. A causa dessa efervescência foi uma afirmação estranha do grande naturalista francês conde de Buffon – aquele das esferas aquecidas do capítulo anterior – de que os seres vivos do Novo Mundo eram inferiores, em quase todos os aspectos, aos do Velho Mundo.
A América, Buffon escreveu em seu vasto e estimado Histoire naturelle, era uma terra onde a água era estagnada, o solo, improdutivo e os animais, sem tamanho nem vigor, tinham suas constituições enfraquecidas pelos “vapores nocivos” que emergiam de seus pântanos pútridos e de suas florestas sem sol. Em tal ambiente, mesmo os índios nativos careciam de virilidade. “Eles não têm nenhuma barba nem pêlos
no corpo”, confidenciou o sabichão, “e nenhum ardor pelas mulheres.” Seus órgãos reprodutivos
eram “pequenos e fracos”.
Neste ínterim, em Filadélfia – a cidade de Wistar – os naturalistas haviam começado a reunir os
ossos de um animal gigantesco, semelhante a um elefante, conhecido de início como “o grande
incógnito americano”, mais tarde identificado, não de todo corretamente, como um mamute. O
primeiro desses ossos fora descoberto em um lugar chamado Big Bone Lick, em Kentucky, mas logo outros surgiram por toda parte. Os Estados Unidos, ao que se afigurava, havia sido no passado a terra natal de um animal realmente substancial – que sem dúvida refutaria as tolas alegações francesas de Buffon.
No afã de demonstrar o volume e a ferocidade do incógnito, os naturalistas americanos parecem ter
exagerado um pouco. Eles superestimaram seu tamanho em seis vezes e deram-lhe garras
assustadoras, que na verdade vieramde um Megalonyox, ou preguiça-terrícola-gigante, encontrado por perto. Notadamente, eles se persuadiram de que o animal desfrutara da “agilidade e ferocidade do tigre”, e retrataram-no em ilustrações saltando de pedras sobre as presas com a elegância de um felino. Quando presas foram descobertas, forçaram a barra para ajustá-las à cabeça do animal de várias maneiras inventivas. Um restaurador as prendeu de cabeça para baixo, como os caninos de um
tigre-dentes-de-sabre, dando-lhe um aspecto satisfatoriamente agressivo. Outro dispôs as presas curvadas para trás com base na teoria atraente de que o animal havia sido aquático, usando-as para se agarrar nas árvores enquanto cochilava. A observação mais pertinente sobre o incógnito, porém, foi que parecia extinto – fato que Buffon de bom grado aproveitou como prova de sua natureza incontestavelmente degenerada.
Buffon morreu em 1788, mas a controvérsia prosseguiu. Em 1795, uma seleção de ossos chegou a Paris, onde foram examinados pela estrela em ascenção da paleontologia, o jovial e aristocrático Georges Cuvier. Cuvier já vinha fascinando as pessoas com seu talento incomum para reunir pilhas de ossos desarticulados, dando-lhes uma forma. Dizia-se que ele era capaz de descrever o aspecto e a natureza de um animal com base em um único dente ou fragmento de maxilar, e muitas vezes ainda dizer o nome da espécie e do gênero. Percebendo que não ocorrera a ninguém nos Estados Unidos redigir uma descrição formal do animal pesadão, Cuvier resolveu fazê-lo, tornando-se assim seu descobridor oficial. Chamou-o de mastodonte (que significa, um tanto inesperadamente, “dentes em
forma de mamilo”).
Inspirado pela controvérsia, em 1796 Cuvier escreveu um artigo memorável, Note on the species of living and fossil elephants [Nota sobre as espécies de elefantes vivos e fósseis], em que apresentou pela primeira vez uma teoria formal das extinções.
Sua crença era de que, de tempos em tempos, a Terra experimentara catástrofes globais em que grupos de animais foram exterminados. Para as pessoas religiosas, incluindo o próprio Cuvier, a ideia trazia implicações desagradáveis, já que sugeria uma casualidade inexplicável por parte da Providência. Com que finalidade Deus criaria espécies para depois exterminá-las? A noção contrariava a crença na Grande Cadeia dos Seres, que sustentava que o mundo estava cuidadosamente ordenado e que cada ser vivo dentro dele tinha um lugar e um propósito, e sempre tivera e viria a ter. Jefferson, por exemplo, não conseguia aceitar a ideia de que espécies inteiras pudessem desaparecer (ou mesmo evoluir).
Assim, quando sugeriram que enviar um grupo para explorar o interior dos Estados Unidos além do Mississippi poderia ter valor científico e político, ele se empolgou com a ideia, esperando que os intrépidos aventureiros encontrassem bandos de mastodontes saudáveis e outros animais avantajados pastando nas planícies férteis. O secretário pessoal de Jefferson, e seu amigo íntimo, Meriwether Lewis, foi escolhido como um dos líderes e designado o naturalista-chefe da expedição. A pessoa escolhida
para aconselhá-lo na busca de animais, vivos ou mortos, foi ninguém menos que Caspar Wistar.
Naquele mesmo ano – na verdade, no mesmo mês – em que o aristocrático e célebre Cuvier propunha suas teorias da extinção em Paris, do outro lado do canal da Mancha, um inglês um pouco mais obscuro tinha um insight sobre o valor dos fósseis que também teria ramificações duradouras.
William Smith era um jovem supervisor da construção do canal de Somerset Coal. Na noite de 5 de janeiro de 1796, estava sentado numa estalagem em Somerset quando anotou a ideia que o tornaria famoso.
Para interpretar rochas, é preciso certo meio de correlação, uma base para saber que
aquelas rochas carboníferas de Devon são mais novas do que as rochas cambrianas de Gales. O
insight de Smith foi perceber que a resposta repousa nos fósseis. Em cada mudança de estrato de rocha, certas espécies de fósseis desapareciam, enquanto outras continuavam em níveis subsequentes.
Percebendo quais espécies apareciam em quais estratos, era possível determinar a idade relativa das rochas onde cada espécie aparecia. Com base em sua experiência de topógrafo, Smith começou a traçar um mapa dos estratos de rocha britânicos, que seria publicado, após várias tentativas, em 1815 e se tornaria um dos pilares da geologia moderna. (Essa história é narrada em detalhes no popular livro de Simon Winchester, O mapa que mudou o mundo).
Infelizmente, depois de seu insight, Smith curiosamente não se interessou em entender por que as rochas estavam dispostas da maneira como estavam. “Parei de tentar decifrar a origem dos estratos e me contento em saber que é assim que eles são”, ele registrou. “Os porquês não podem estar ao alcance de um topógrafo de minerais.”
A revelação de Smith sobre os estratos aumentou o mal-estar moral em relação às extinções. Para
início de conversa, ela confirmava que Deus havia extinguido animais não uma vez ou outra, mas
repetidamente. Mais do que indiferente, isso O fazia parecer estranhamente hostil. Além disso,
tornava inconveniente necessário explicar como algumas espécies foram exterminadas, enquanto
outras continuaram incólumes por longas eras de sucesso. Era evidente que as extinções iam além do mero dilúvio bíblico. Cuvier resolveu a questão, para sua própria satisfação, sugerindo que o Gênese dizia respeito apenas à inundação mais recente.
Deus, ao que se afigurava, não quisera perturbar
ou alarmar Moisés com notícias de extinções anteriores e irrelevantes.
Desse modo, nos anos iniciais do século XIX, os fósseis assumiram certa importância inevitável, o
que torna ainda mais deplorável a incapacidade de Wistar de dar o devido valor a seu osso de
dinossauro. De qualquer forma, de repente, ossos vinham aparecendo por toda parte. Várias outras
oportunidades surgiram para os norte-americanos reivindicarem a descoberta dos dinossauros, mas
todas foram desperdiçadas. Em 1806, a expedição de Lewis e Clark passou pela formação de Hell
Creek, em Montana, uma área onde os caçadores de fósseis iriam, mais tarde, literalmente esbarrar
em ossos de dinossauros, e chegou a examinar o que era sem dúvida um osso de dinossauro
incrustado na rocha, mas não tirou nenhuma conclusão daquilo.
Outros ossos e pegadas
fossilizadas foram encontrados no vale do rio Connecticut, na Nova Inglaterra, depois que um jovem fazendeiro chamado Plinus Moody descobriu rastros antigos em uma saliência de rocha em South Hadley, Massachusetts. Alguns desses fósseis pelo menos sobrevivem – particularmente os ossos de um anquissauro, que fazem parte do acervo do Museu Peabody, em Yale. Encontrados em 1818, foram os primeiros ossos de dinossauro a ser examinados e salvos, mas infelizmente sua verdadeira importância só veio a ser reconhecida em 1855. Naquele ano de 1818, Caspar Wistar morreu, contudo adquiriu uma imortalidade inesperada quando um botânico chamado Thomas Nuttall batizou com o nome dele uma adorável trepadeira. Alguns botânicos puristas ainda insistem em chamá-la de
wistéria (glicínia).
Àquela altura, porém, a liderança paleontológica havia passado para a Inglaterra. Em 1812, em Lyme Régis, na costa de Dorset, uma criança extraordinária chamada Mary Anning – de onze, doze ou treze anos, dependendo do relato que se lê – encontrou um estranho monstro marinho fossilizado, com cinco metros de comprimento, hoje conhecido como ictiossauro, incrustado nos penhascos íngremes e perigosos ao longo do canal da Mancha.
Anning era insuperável na capacidade de encontrar fósseis, e ainda por cima conseguia extraí-los com delicadeza e sem danificá-los. Se você tiver a chance de visitar a sala de répteis marinhos antigos do Museu de História Natural de Londres, não deixe de fazê-lo, pois não há outra forma de apreciar a escala e a beleza das realizações dessa jovem, trabalhando praticamente sozinha, com as
ferramentas mais básicas, em condições quase inviáveis. Só o plesiossauro consumiu dez anos de
escavação paciente.
Apesar de pouco instruída, Anning também conseguia fornecer desenhos e
descrições adequados para os estudiosos. Mas, apesar de suas habilidades, descobertas importantes
eram raras, e ela passou a maior parte da vida na pobreza.
É difícil imaginar alguém mais esquecido na história da paleontologia que Mary Anning, mas houve
alguém que chegou perto. Seu nome era Gideon Algernon Mantell, e ele era um médico rural em
Sussex.
Embora fosse um poço de defeitos – vaidoso, autocentrado, pedante, negligente com a família –,
nunca houve um paleontologista amador mais dedicado. Ele também teve a sorte de ter uma esposa
dedicada e observadora. Em 1822, enquanto o marido atendia a um paciente no interior de Sussex, a sra. Mantell foi passear por uma alameda próxima e, numa pilha de cascalho que havia sido deixada
para tapar buracos, encontrou um objeto curioso: uma pedra marrom curva, do tamanho de uma noz
pequena. Sabedora do interesse do marido em fósseis, e achando que aquilo poderia ser um, ela a
levou consigo. Mantell viu de imediato que se tratava de um dente fossilizado, e, após um breve
estudo, convenceu-se de que era de um animal herbívoro, réptil, extremamente grande – com vários
metros de comprimento – e do período Cretáceo.
Cabe lembrar que Buckland era antes de tudo um geólogo, e mostrou isso em seu trabalho sobre o megalossauro. Em seu relato, para as Transactions of the Geological Society of London [Atas da Sociedade Geológica de Londres], ele observou que os
dentes do animal não estavam presos diretamente ao osso maxilar, como nos lagartos, mas inseridos
em alvéolos à maneira dos crocodilos. Entretanto, tendo observado esse detalhe, Buckland deixou de
perceber o que de fato importava: que o megalossauro era um tipo de animal totalmente novo. Assim, embora seu relato demonstrasse pouca perspicácia ou visão, foi a primeira descrição publicada de um dinossauro. Portanto, Buckland ficou com a fama da descoberta dessa linhagem antiga de seres, embora Mantell a merecesse muito mais.
Sem saber que sua vida seria uma sucessão de desapontamentos, Mantell continuou caçando fósseis – ele encontrou outro gigante, o Hylaeosaurus, em 1833 – e comprando outros de trabalhadores de pedreiras e fazendeiros, até possuir provavelmente a maior coleção de fósseis da Grã-Bretanha.
Mantell era um excelente médico e um caçador de ossos igualmente talentoso, mas não conseguiu
equilibrar ambos os talentos. À medida que sua mania de colecionar crescia, passou a negligenciar a clinica médica. Logo fósseis atulhavam quase toda a sua casa em Brighton e consumiam grande parte de sua renda. Quase todo o resto servia para financiar a publicação de livros que poucas pessoas se davam ao trabalho de comprar. Illustrations of the geology of Sussex, publicado em 1827, vendeu apenas cinquenta exemplares e deu um prejuízo de trezentas libras – uma soma substancial na época.
Desesperado, Mantell teve a ideia brilhante de transformar sua casa num museu e cobrar ingresso, mas depois percebeu que esse ato mercenário arruinaria sua imagem de cavalheiro, e mais ainda a de cientista. Assim, ele permitiu que as pessoas visitassem sua casa gratuitamente. Elas acorreram às centenas, semana após semana, arruinando a clínica médica e sua vida doméstica. Ele acabou sendo forçado a vender grande parte da coleção para pagar dívidas. Logo depois, sua esposa o abandonou, levando consigo os quatro filhos.
Os dinossauros, construídos com concreto, eram uma espécie de atração extra. Na véspera do Ano-Novo de 1853, um notável jantar foi oferecido a 21
cientistas proeminentes dentro do iguanodonte inacabado. Gideon Mantell, o homem que encontrara e identificara o iguanodonte, não estava entre eles. A pessoa à cabeceira da mesa era o maior astro da jovem ciência da paleontologia. Seu nome era Richard Owen e àquela altura ele já dedicara vários anos produtivos a infernizar a vida de Mantell.
Owen crescera em Lancaster, no Norte da Inglaterra, onde estudara medicina. Tinha uma vocação inata para a anatomia e, de tão dedicado aos estudos, às vezes levava ilicitamente membros, órgãos e outras partes de cadáveres para casa a fim de dissecá-los com calma.
Certa vez, ao levar num saco a cabeça de um marinheiro africano negro que acabara de remover, Owen tropeçou numa pedra úmida e viu, horrorizado, a cabeça cair do saco, rolar ruela abaixo e entrar pela porta aberta de uma casa, indo parar na sala. Podemos imaginar a reação dos moradores ante uma cabeça sem corpo rolando até parar aos seus pés. Supõe-se que não tenham chegado a conclusões precipitadas quando, um instante depois, um homem jovem com ar apavorado correu para dentro da casa, apanhou a cabeça sem falar uma palavra e saiu às pressas.
Em 1825, com apenas 21 anos, Owen mudou-se para Londres e logo após foi contratado pelo
Colégio Real de Cirurgiões para ajudar a organizar suas coleções amplas, mas desordenadas, de
espécimes médicos e anatômicos. A maioria havia sido deixada para a instituição por John Hunter,
um cirurgião afamado e colecionador incansável de curiosidades médicas, porém as peças nunca
haviam sido catalogadas ou organizadas, em grande parte porque a documentação que explicava o significado de cada uma desaparecera após a morte de Hunter.
Owen rapidamente se distinguiu pela capacidade de organização e dedução. Ao mesmo tempo,
revelou-se um anatomista sem igual, com uma aptidão para a reconstituição quase igual à do grande Cuvier, de Paris. Tornou-se tamanho expert na anatomia dos animais que recebeu o direito de dispor de qualquer deles que morresse no zoológico de Londres, que mandava levar para casa a fim de examiná-lo. Certa vez, de volta ao lar, a esposa encontrou um rinoceronte recém-morto atravancando o corredor de entrada.
Owen rapidamente se tornou um grande especialista em todos os tipos de animais vivos e extintos: de ornitorrincos, equidnas e outros marsupiais recém-descobertos ao desafortunado dodô e às extintas aves gigantescas denominadas moas que haviam perambulado pela Nova Zelândia até serem exterminadas pelos maoris, que se alimentavam delas. Foi o primeiro a descrever o arqueópterix, após sua descoberta na Baviera, em 1861, e o primeiro a escrever um epitáfio formal para o dodô. No todo, redigiu cerca de seiscentos artigos sobre anatomia, uma produção prodigiosa.
Mas é por seu trabalho com os dinossauros que Owen é lembrado. Ele cunhou o termo dinosauria em 1841. A palavra significa “lagarto terrível” e foi um nome curiosamente impróprio. Os dinossauros, como sabemos hoje, não eram todos terríveis – alguns não eram maiores que coelhos e é provável que fossem bem recatados – e definitivamente não tinham nenhuma ligação com os lagartos, que são de uma linhagem bem mais antiga (por volta de 30 milhões de anos).
Owen sabia muito bem que os dinossauros eram répteis e tinha à sua disposição uma palavra grega ótima, herpeton, mas por alguma razão preferiu não usá-la. Outro erro mais desculpável (dada a escassez de espécimes na época) é que os dinossauros não constituem uma, e sim duas ordens de répteis: os ornitisquianos,
com quadris de aves, e os saurisquianos, com quadris de lagartos.
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