Psicologia – A Angústia


É uma situação psicológica caracterizada por um conjunto de sintomas que surgem devido a alguma situação em que a pessoa se sente ameaçada por algo que irá acontecer, o que leva à preocupação excessiva, irritabilidade, alteração dos batimento cardíacos e insegurança, por exemplo. Além disso, devido à preocupação excessiva, é possível também notar dor muscular provocada pela tensão e dor de cabeça constante. Na presença de sinais e sintomas indicativos de angústia, é importante que o psicólogo seja consultado para que seja identificado o fator responsável pelo sentimento e, assim, possa ser iniciado o melhor tratamento, além de ser também importante que a pessoa pratique atividades que ajudem a promover a sensação de bem-estar, como atividade física ou meditação, por exemplo.
Os sintomas de angústia podem surgir de forma progressiva, sendo os principais:

Dor e sensação de aperto no peito e na garganta;
Batimentos do coração rápidos;
Sensação de sufocamento, com dificuldade em respirar;
Inquietação e desassossego constante;
Dor de cabeça constante;
Tensão muscular;
Mudança repentina de humor;
Falta de ar;
Pensamentos negativos;
Insegurança;
Insônia;
Tristeza constante.
Além destes sintomas comuns de angústia, a pessoa pode ainda apresenta outros sintomas que que podem ser confundidos com depressão e que tem impacto no dia-a-dia, como apatia, falta de apetite, insônia, dificuldades de concentração, contraturas musculares, dores no corpo e cansaço constante.

Possíveis causas
A angústia é normalmente desencadeada por situações que ainda vão acontecer e que é percebida como uma ameaça para a pessoa, o que gera preocupação excessiva e insegurança, resultando nos sintomas. No entanto, é possível também sentir-se angustiado quando há a lembrança de alguma situação passada ou ser consequência da perda de um ente querido, por exemplo.
Tratamento
é necessário resolver a causa que está na sua origem, de forma a eliminar todos os sintomas, sendo importante que esse processo seja acompanhado por um psicólogo. Isso porque o psicólogo poderá auxiliar melhor no processo de auto-conhecimento e de desenvolvimento de habilidades para enfrentar os sentimentos e as situações que causam angústia.

No entanto, em alguns casos, mesmo quando são realizadas sessões de terapia, é possível que os sinais e sintomas persistam, podendo a angústia ser acompanha por outros transtornos psicológicos, como depressão e/ou ansiedade, sendo necessário acompanhamento psiquiátrico, que pode indicar o uso de medicamentos que ajudam a promover a qualidade de vida.

Além da terapia, é importante investir em atividades que ajudem a relaxar e que possam promover a sensação de bem-estar, como por exemplo:

Praticar atividade física regularmente, pois a prática de exercícios promove a liberação de substâncias como dopamina, serotonina e endorfinas que estão associadas ao bem-estar e prazer, aliviando os sintomas de angústia. Além disso, a atividade física ajuda a relaxar os músculos e a aliviar as dores e tensões do corpo;
Praticar meditação, pois através do controle da respiração, redução das distrações e do silêncio é capaz de ajudar a acalmar a mente. O mindfulness é um tipo de meditação que pode auxiliar na redução dos sentimentos de angústia, pois ajuda a pessoa a lidar melhor com seus pensamentos negativos por meio da atenção e consciência plena, ou seja, estar mais atento às atividades diárias e cotidianas;
Ter uma alimentação saudável e rica em triptofano pode também ajudar a melhorar os sentimentos de angústia a promover o bem-estar. Dessa forma, é importante ter uma alimentação rica em grãos integrais, legumes e frutas, e reduzir alimentos que tenham muito açúcar e gordura;
Praticar yoga, que corresponde a um conjunto de exercícios para o corpo e para a mente que ajudam a aliviar sintomas de ansiedade e estresse. É baseado em três elementos como postura, respiração e meditação e ajuda a melhorar o equilíbrio, força muscular e promove bem-estar emocional.
Além disso, fazer a técnica de controle da respiração também pode ajudar a relaxar e aliviar os sintomas da angústia. Para isso, deve-se tentar respirar de forma profunda e lenta pelo nariz, levando o ar até ao abdômen e soltando o ar suavemente através da boca.

Os Livros Mais Importantes da História da Humanidade


Livro – Bíblia
Autor – Vários
Ano – A partir de 1000 a.c.
Por que ler? – Compila séculos de histórias da Antiguidade sobre a origem do mundo e do homem.
No princípio, havia uma maçaroca de teorias sobre a criação do céu e da terra. O Egito e a Mesopotâmia, onde hoje fica o Iraque, eram ocupados por diferentes tribos, cada uma com seus deuses. Quase todo o conhecimento acumulado até então ficava guardado na cabeça de políticos, religiosos e sábios que não tinham pudor de colocar uma coisinha aqui ou ali na história, conforme a necessidade. Ser o detentor das verdades divinas era uma formade exercer poder.
Até que, por volta do ano 1000 a.C., os hebreus colocaram parte dessas histórias no papel – ou no pergaminho, no caso. Não era, ainda, a Bíblia como a conhecemos hoje. Era um esboço. As primeiras histórias falavam da origem do Universo. Muitas de suas passagens, porém, já eram velhas conhecidas dos mesopotâmicos. O mito de que Deus teria criado tudo sozinho, por exemplo, já estava presente também no Enuma Elish, um poema épico gravado pelos babilônios em cerca de 1600 a.C. em tabletes que narravam como o deus Marduque teria criado o Universo em seis partes, começando pela luz e terminando com a humanidade. No Gênesis, o livro de abertura da Bíblia, os hebreus contam praticamente a mesma história. O Deus bíblico teria criado o mundo em seis dias, e não em partes, e tudo também teria iniciado com a luz – quem nunca ouviu a frase “Faça-se a luz?” – e terminado com o nascimento dos homens.
E foi assim, aos poucos, com muitas cópias, adaptações, inversões e adulterações que nasceram as primeiras linhas da Bíblia. Criação do mundo, serpente no paraíso, o dilúvio e a Arca de Noé… Lendas antigas em alguns casos, mas, na versão dos hebreus, tudo foi atribuído a um único Deus superpoderoso – ao contrário da tradição mesopotâmica, cujas lendas colocavam os grandes feitos do Universo na conta de vários deuses. Uma mudança fundamental na narrativa: ao atribuir um só responsável para tudo, a origem do mundo ganhou coerência. Se uma tempestade arrasava a colheita, podia ser explicada pela vontade Dele. Assim como qualquer outra coisa. Mas há quem diga que até mesmo essa ideia foi copiada dos persas, que já eram monoteístas. Essa inspiração pode ter surgido no século 5 a.C., quando os hebreus, derrotados pelos babilônios e expulsos de Jerusalém, foram buscar abrigo justamente nas terras habitadas pelos persas.
A Bíblia não é exatamente um livro, mas sim uma compilação de livros (73 para católicos e 66 para protestantes, uma disputa que dura quatro séculos) – a palavra bíblia vem de uma expressão grega que significa “os livros sagrados”. Os primeiros cinco tomos, Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio (chamados também de Pentateuco), formam a Torá, as escrituras do judaísmo. Além de contar como o mundo começou e dizer como fiéis devem se comportar, os livros também descrevem a trajetória deAbraão, o homem que demonstrou fé inabalável em Deus e teve dois filhos fundamentais para a disseminação do monoteísmo: Issac, fundador do povo hebreu, e Ismael, que deu origem aos árabes. Por causa de Abraão (cuja existência nunca foi comprovada por historiadores), a Bíblia narra a origem das três religiões monoteístas que até hoje cativam a espiritualidade demetade da população mundial: judaísmo, cristianismo e islamismo. Junto com outros livros, o Pentateuco forma o Antigo Testamento, que narra desde a história da criação do Universo até o retorno dos judeus a Jerusalém após o exílio babilônico, perto do ano 538 a.C.
Foram necessários muitos autores para reunir tudo isso. Os fiéis católicos atribuem a autoria a personagens ilustres, como Moisés, o rei Davi e o apóstolo Paulo. Estudiosos céticos sustentam que a Bíblia é fruto do maior esforço de crowdsourcing da história. Nos primeiros 1,5 mil anos, os exemplares eram produzidos à mão por religiosos abnegados. Um deles foi Esdras, que liderou um grupo de sacerdotes que editou a primeira versão do Pentateuco. Em comum, cada capítulo fica no limite entre a história e a fantasia, o que dá margem para variadas interpretações. Por volta de 200 a.C., os hebreus concluíram a primeira seleção dos livros sagrados. Vem daí a primeira tradução do Antigo Testamento feita por encomenda do rei Ptolomeu, a cargo de 72 sábios judeus.
Dois séculos mais tarde, surgiu um novo profeta. Jesus Cristo percorreu o Oriente Médio pregando a igualdade entre os homens e o amor ao próximo com uma abordagem cheia de humildade – conceitos revolucionários até hoje. Depois de sua crucificação, outra equipe se encarregou de escrever tudinho sobre Jesus: o nascimento, a vida, os milagres, a morte e a ressurreição. Ninguém sabe direito quem foram os autores dos livros que contam as andanças do profeta, e a coleção ficou conhecida como Novo Testamento. Apesar dos livros levarem os nomes dos apóstolos, acredita-se que o registro foi feito por outras pessoas a partir de 42 d.C. No século 5 d.C., o teólogo Eusebius Hyeronimus, que viria a ser conhecido como São Jerônimo, viajou a Jerusalém a fim de aprender hebraico e produzir a primeira tradução da Bíblia para o latim – o idioma oficial do Império Romano, àquela altura já simpático às ideias cristãs. O trabalho levou 17 anos, mas ninguém sabe se as traduções foram fiéis ao original.
Depois de São Jerônimo, as cópias dos livros passaram a ser produzidas no isolamento dos mosteiros – a Igreja alegava que a população não teria condições de compreender os escritos. A Bíblia só começou a se tornar um fenômeno pop a partir de 1522, quando o pastor Martinho Lutero a traduziu para o alemão, mais acessível aos europeus, e produziu cópias em série usando um invento recente na época: a imprensa. Cansado do elitismo, Lutero achava que todos deveriam ter acesso às palavras divinas. Hoje, o total de cópias é de quase 6 bilhões segundo o Guinness, o livro dos recordes.

Geografia e Geologia – Estudando a Terra


Conforme vimos em capítulos anteriores, a comunidade científica esteve engajada na tarefa de determinar peso, tamanho, idade e características do planeta Terra
Com o “instinto de martírio” que caracterizava a época, cientistas partiram para mais de uma centena de locais ao redor do globo: Sibéria, China, África do Sul, Indonésia e as florestas de Wisconsin, entre muitos outros. A França despachou 32 observadores, a Grã-Bretanha, mais dezoito, e ainda outros partiram da Suécia, Rússia, Itália, Alemanha, Irlanda e de outras partes.
Foi o primeiro empreendimento científico internacional cooperativo da história, e em quase toda parte houve problemas. Muitos observadores foram surpreendidos por guerras, doenças ou naufrágios. Outros chegaram ao destino, mas ao abrir seus baús, encontraram os equipamentos quebrados, ou deformados pelo calor tropical. De novo, os participantes franceses pareciam os destinados a ser os mais azarados. Jean Chappe passou meses dirigindo-se à Sibéria por carruagem, barco e trenó, protegendo sues instrumentos a cada solavanco perigoso, até topar com um trecho final
bloqueado por rios caudalosos, resultado de chuvas de primavera atipicamente fortes, que os habitantes não tardaram a atribuir a Chappe depois que o viram apontar instrumentos estranhos para o céu. Ele conseguiu escapar ileso, contudo nem nenhuma medição útil.
Ainda mais azarado foi Guillaume Le Gentil, cujas experiências são sintetizadas maravilhosamente
por Timothy Ferris em Coming of age in the Milk Way [O despertar da Via Láctea].
Le Gentil partiu da França com uma ano de antecedência para observar o trânsito da Índia, mas uma série de contratempos fez com que no dia do trânsito ele ainda estivesse no mar – o pior de todos os lugares, pois é impossível fazer medições firmes num navio balançando.
Sem esmorecer, Le Gentil continuou na Índia para aguardar o trânsito seguinte, em 1769. Com oito anos para se preparar, construiu uma estação de observação de primeira classe, testou e retestou seus instrumentos e deixou tudo num estado de perfeita prontidão. Ao acordar na manhã do segundo trânsito, 4 de junho de 1769, o dia estava claro. No entanto, quando Vênus começou a passar, uma nuvem deslizou para frente do Sol, ali permanecendo por quase a exatamente a duração do trânsito: três horas, catorze minutos e sete segundos.
Estoicamente, Le Gentil embalou seus instrumentos e partiu para o porto mais próximo, porém no caminho contraiu disenteria e ficou de cama por quase um ano. Ainda enfraquecido, conseguiu embarcar num navio. A embarcação quase foi a pique num furacão ao largo da costa africana.
Quando enfim chegou em casa, onze anos e meio depois de ter partido e sem ter logrado nada, descobriu que sua família fizera com que fosse declarado morto durante sua ausência e dilapidara alegremente seu patrimônio.
Em comparação, as decepções vividas pelos dezoito observadores britânicos espalhados pelo mundo foram pequenas. Mason viu-se acompanhado por um topógrafo jovem chamado Jeremiah Dixon, e aparentemente eles se entenderam bem, pois formaram uma parceria duradoura. Suas instruções era de viajarem até Sumatra e observar o trânsito de lá, mas, após apenas uma noite ao mar, seu navio foi atacado por uma fragata francesa.
Logo depois, Maskelyne retornou à Inglaterra, onde foi nomeado astrônomo real e Mason e Dixon – evidentemente mais experientes – partiram para quatro longos e muitas vezes arriscados anos topografando 393 quilômetros do perigoso descampado norte-americano, para solucionar um conflito de fronteiras entre as propriedades de Willian Penn e lorde Baltimore e suas respectivas colônias da Pensilvânia e de Maryland. O resultado foi a famosa linha Mason e Dixon, que mais tarde adquiriu a importância simbólica de ser a linha divisória dos estados escravocratas e livres. (Embora a linha fosse sua principal tarefa, eles também realizaram varias pesquisas astronômicas, inclusive uma das mais medições mais precisas do século de um grau de meridiano – um feito que lhes trouxe muito mais glória na Inglaterra do que a resolução de um conflito de fronteiras entre aristocratas mal-acostumados.) De volta à Europa, Maskelyne e seus colegas da Alemanha e da França tiveram de admitir que as medições do trânsito de 1761 foram essencialmente um fiasco. Um dos problemas, por ironia, foi o excesso de observações, as quais, quando cotejadas, não raro se mostravam contraditórias e impossíveis de compatibilizar. A medição com sucesso do trânsito venusiano coube,
em vez disso, a um capitão de navio pouco conhecido, nascido em Yorkshire, chamado James Cook,
que observou o trânsito de 1769 do cume de um morro ensolarado no Taiti e, em seguida, partiu para
cartografar a Austrália, reivindicando-a para a coroa britânica. Após o regresso de Cook, o astrônomo francês Joseph Lalande pôde calcular, com base nas informações agora disponíveis, que a distancia média da Terra ao Sol era um pouco superior a 150 milhões de quilômetros. (Dois outros trânsitos, no século XIX, permitiram aos astrônomos fixar a cifra em 149,59 milhões de quilômetros, onde permaneceu desde então. A distância exata, sabemos agora, é de 149 597 870 691 quilômetros.)
A Terra enfim tinha uma posição no espaço.
Como a gravidade mantém os planetas em órbita e faz com que os objetos em queda atinjam o solo com estrépito, tendemos imaginá-la como uma força poderosa, mas na verdade não é. Ela só é poderosa numa espécie de sentido coletivo, quando um objeto de grande massa, como o Sol, agarra-se a outro objeto de grande massa, como a Terra. Num nível básico, a gravidade é fraquíssima. Cada vez que você pega um livro na mesa ou uma moeda no chão, supera sem esforço a força gravitacional de um planeta inteiro. O que Cavendish estava tentando fazer era medir a gravidade nesse nível bem peso-pena.
Fragilidade era a palavra-chave. Nem um murmúrio de perturbação podia ser permitido no aposento que continha o aparato, de modo que Cavendish assumiu uma posição num aposento contíguo e fez suas observações com um telescópio voltado para um orifício de espreita. O trabalho era incrivelmente árduo e envolvia dezessete medições delicadas e interligadas, que juntas levaram quase um ano para serem concluídas. Quando enfim havia finalizado seus cálculos, Cavendish anunciou que a Terra pesava um pouco mais que 13 000 000 000 000 000 000 000 de libras, ou 6 bilhões de trilhões de toneladas métricas, para se usar a medida moderna. (Uma tonelada métrica
é igual a mil quilogramas ou 2205 libras.) Atualmente os cientistas têm à disposição maquinas tão
precisas que conseguem detectar o peso de uma única bactéria e tão sensíveis que as medições
podem ser perturbadas por alguém bocejando a vinte metros de distância, mas elas não melhoraram
muito as medições de Cavendish de 1797. A melhor estimativa atual do peso da Terra é de 5,9725
bilhões de trilhões e toneladas métricas, uma diferença de apenas 1% em relação à descoberta de Cavendish. Curiosamente, tudo isso apenas confirmou estimativas feitas por Newton 110 anos ates de
Cavendish sem nenhum indício experimental.
Portanto, ao final do século XVIII, os cientistas sabiam precisamente a forma e as dimensões da Terra e sua distância em relação ao Sol e aos planetas. E Cavendish, sem sequer sair de casa, lhes fornecera o peso da Terra. Desse modo, você pode pensar que calcular a idade da Terra seria relativamente fácil. Afinal, os materiais necessários estavam literalmente aos pés deles. Mas não foi.
Os seres humanos fissionaram o átomo e inventaram a TV, o náilon e o café solúvel antes de descobrir a idade de seu próprio planeta.
Para entender porque, precisamos viajar para o Norte da Escócia e começar por um homem brilhante e afável, do qual poucos já ouviram falar, que acabara de inventar uma nova ciência chamada geologia.

Divisão da Terra em Períodos Geológicos


Justamente na época em que Henry Cavendish estava realizando seus experimentos em Londres, a 664 quilômetros e distância, em Edimburgo, outro tipo de momento decisivo estava prestes a ocorrer com a morte de James Hutton. Isso foi ruim para ele, é claro, mas foi bom para a ciência, ao abrir caminho para um homem chamado John Playfair reescrever o trabalho de Hutton sem constrangimento.
Hutton era, segundo a opinião feral, um homem com os insights mais profundos e a conversa mais
animada, uma companhia maravilhosa, e sem rival quando se tratava de entender os processos misteriosamente lentos que moldaram a Terra.
Infelizmente, estava além de sua capacidade registrar suas ideias de uma forma que alguém conseguisse compreender. Ele era, como observou um biógrafo, com um suspiro quase audível, “quase totalmente isento de razões retóricas”.
Quase toda linha que escrevia era um convite ao sono. Ei-lo em sua obra-prima de 1795, A theory of the Earth with proofs and illustrations [Uma teoria da Terra com provas e ilustrações] discutindo… bem, algo: O mundo que habitamos é composto de materiais, não da terra que foi a predecessora imediata da atual, mas da terra que, ao ascender do presente, consideramos a terceira, e que precedeu o solo que estava acima da superfície do mar, enquanto o nosso solo atual ainda estava sob a água do oceano. No entanto, quase sozinho, e de modo brilhante, ele criou a ciência da geologia e transformou nossa compreensão da Terra. Hutton nasceu em 1726 numa próspera família escocesa e desfrutou do tipo de conforto material que lhe permitiu dedicar grande parte da vida a uma rotina agradável de trabalho leve e aperfeiçoamento intelectual. Estudou medicina, da qual acabou não gostando, e se voltou para a lavoura, que exerceu de uma maneira relaxada e científica na propriedade da família em Berwickshire. Cansando da vida rural, em 1768 mudou-se para Edimburgo, onde abriu um negócio bem-sucedido de produção de sal amoníaco a partir de fuligem de carvão, e ocupou-se de diversas atividades científicas. Edimburgo, naquela época, era um centro de vigor intelectual, e Hutton deleitou-se com suas possibilidades enriquecedoras. Tornou-se um membro de destaque de uma sociedade denominada Oyster Club, onde passava as noites em companhia de homens como o economista Adam Smith, o químico Joseph Black e o filósofo David Hume, além de luminares visitantes ocasionais como Benjamin Franklin e James Watt.
Em 1785, Hutton expôs suas ideias num longo artigo, que foi lido em reuniões consecutivas da Royal Society de Edimburgo. O artigo quase não chamou a atenção de ninguém. Não é difícil entender o porquê. Eis, em parte, como ele apresentou suas ideias a seu público: No primeiro caso, a causa formadora está no corpo que é separado; porque, após o corpo sofrer a ação do calor, é pela reação da matéria apropriada do corpo que a fenda que constitui o veio se forma. No outro caso, de novo, a causa é extrínseca em relação ao corpo em que a fenda se forma. Houve a mais violenta fratura e divulsão; mas a causa ainda precisa ser buscada; e ela aparece não no veio; pois não é em toda fratura e deslocamento do corpo sólido de nossa Terra que minerais, ou as substâncias apropriadas de veios minerais, são encontrados.
Nem é preciso dizer que quase ninguém na platéia tinha a menor ideia do que ele estava dizendo.
Encorajado pelos amigos a expandir sua teoria, na esperança comovente de que ele conseguiria se expressar com mais clareza num formato mais amplo, Hutton passou os dez anos seguintes preparando sua obra máxima, que foi publicada em dois volumes em 1795.
Juntos, os dois livros totalizavam quase mil páginas e superaram os temores de seus amigos mais pessimistas. Antes de mais nada, quase metade da obra consistia em citações de fontes francesas, ainda no original francês. Um terceiro volume, de tão insosso, só foi publicado em 1899, mais de um século após a morte de Hutton, e o quarto e último volume nunca foi publicado. O Theory of the Earth de Hutton seria um forte candidato ao livro importante menos lido em ciência, se não houvesse tantos outros. Mesmo Charles Lyell, o maior geólogo do século seguinte e um homem que lia tudo, admitiu que não conseguiu avançar pela obra.
Felizmente, Hutton teve u Boswell na forma de John Playfair, um professor de matemática da Universidade de Edimburgo e seu amigo íntimo, o qual, além de escrever primorosamente, também – graça a muitos anos na cola de Hutton – entendia quase tudo que ele tentava dizer. Em 1802, cinco anos após a morte de Hutton, Playfair produziu uma exposição simplificada dos princípios do amigo,
intitulada Illustrations of the Huttonian thoery of Earth [Ilustrações da teoria da Terra huttoniana]. O livro foi recebido com gratidão pelos interessados em geologia, que em 1802 não eram em grande número. Isso, porém, estava prestes a mudar.
É difícil imaginar como, mas a geologia empolgou o século XIX – positivamente, arrebatou-o – como
nenhuma ciência conseguira fazer antes ou viria a fazer de novo. Em 1839, quando Roderick Murchison publicou The silurisn system [O sistema siluriano], um estudo alentado e pesado sobre um tipo de rocha chamada grauvaca, o livro tornou-se um best-seller imediato, chegando rapidamente à quarta edição, embora custasse oito guinéus e fosse, num verdadeiro estilo huttoniano, ilegível.
(Como até um partidário de Murchison admitiu, tinha “total carência de atratividade literária”).
E quando, em 1841, o grande Charles Lyell viajou aos Estados Unidos para proferir uma série de palestras em Boston, 3 mil pessoas lotaram o Instituto Lowell a cada evento para ouvir suas descrições tranquilizadoras de zeólitas marinhas e perturbações sísmicas em Campânia.
No mundo pensante da época, mais especialmente na Grã-Bretanha, homens de saber aventuravam-se pelo campo para “quebrar um pouquinho de pedras”, como diziam. O empreendimento era levado a sério, e eles tendiam a se tratar com a gravidade apropriada: paletó escuro e cartola, com exceção do reverendo William Buckland, de Oxford, que costumava fazer o trabalho de campo em sua beca
acadêmica.
Parkinson foi levado ao Conselho Privado para ser
interrogado e por um triz não foi posto a ferros e deportado para a Austrália, antes que as acusações contra ele fossem abandonadas. Adotando uma abordagem mais conservadora da vida, ele desenvolveu um interesse por geologia e tornou-se um dos membros fundadores da Geological Society e autor de um texto geológico importante, Organic remains of a former world [Remanescentes
orgânicos de um mundo anterior], que esteve disponível no mercado durante meio século. Ele nunca mais se meteu em confusão. No entanto, hoje é lembrado pelo estudo notável da doença então denominada “paralisia trêmula”, que passou a ser conhecida como a doença de Parkinson.
(Parkinson teve outro pequeno momento de fama. Em 1785, tornou-se talvez a única pessoa da história a ganhar numa rifa um museu de história natural. O museu, em Leicester Square, Londres, havia sido fundado por sir Ashton Lever, cuja mania de colecionar maravilhas naturais o levara à falência. Parkinson conservou o museu até 1805, quando não conseguiu mais mantê-lo e a coleção foi desmembrada e vendida.) De personalidade menos notável, mas mais influente do que todos os outros juntos, foi Charles Lyell. Nascido no ano da morte de Hutton e a apenas 113 quilômetros de distância, na aldeia de Kinnordy, na Escócia, foi criado no extremo sul da Inglaterra, na Nova Floresta de Hampshire, porque sua mãe estava convencida de que os escoceses eram um bêbados inveterados.
Sem fugir ao padrão dos cavalheiros cientistas do século XIX, Lyell era oriundo de um ambiente de riqueza confortável e vigor intelectual. Seu pai, também chamado Charles, tinha a qualidade incomum de ser uma autoridade no poeta Dante e em musgos (Orthotricium lyelli, que a maioria dos visitantes do interior inglês terá visto em algum momento, recebeu esse nome em homenagem e ele.) Do pai, Lyell adquiriu o interesse pela história natural, mas foi em Oxford, onde se deixou encantar pelo reverendo William Buckland – aquele das becas ondulantes –, que o jovem Lyell começou sua dedicação vitalícia à geologia.
The principles of geology teve doze edições durante a vida de Lyell e continha noções que moldaram o pensamento geológico até boa parte do século XX. Darwin legou consigo uma primeira edição na viagem do Beagle e escreveu depois que “o grande mérito de Principles era que ele alterava toda a disposição mental da pessoa, de modo que, ao ver uma coisa nunca vista por Lyell, via-a parcialmente pelos olhos dele”.
Em suma, ele o julgava quase um deus, como muitos de sua geração. Um sinal da força das ideias de Lyell é o fato de que, na década de 1980, quando os geólogos tiveram de abandonar apenas uma parte delas apenas para acomodar o impacto da teoria das extinções, quase morreram de desgosto. Mas esse é outro capítulo.
Enquanto isso, a geologia tinha muita coisa para destrinçar, e nem tudo ocorreu com tranquilidade.
Desde o princípio, os geólogos tentaram categorizar as rochas pelos períodos em foram depositadas,mas costumava haver discordâncias acirradas sobre onde situar as linhas divisórias – nenhuma delas maior que o debate prolongado que se tornou conhecido como a Grande Controvérsia Devoniana. A questão emergiu quando o reverendo Adam Sedgwick, de Cambridge, reivindicou para o período Cambriano uma camada de rocha que Roderick Murchison acreditava pertencer justificadamente ao Siluriano. A discussão prolongou-se por anos e tornou-se bem acalorada. “De la Beche é um cão sujo”, Murchison escreveu para um amigo num acesso de raiva típico.
Uma olhadela nos títulos dos capítulos do excelente e sombrio relato de Martin J. S. Rudwick sobre a questão, The great Devonian controversy [A grande controvérsia devoniana], dá uma boa ideia da baixaria. Eles começaram com descrições como “Arenas de debate cavalheiresco” e “Desvendando a grauvaca”, mas depois prosseguem com “A grauvaca defendida e atacada”, “Repreensões e recriminações”, “A disseminação de rumores comprometedores”, “Weaver abjura sua heresia”, “Colocando um provinciano no seu devido lugar” e (caso restasse alguma dúvida de que se tratava de uma guerra) “Murchison abre a campanha militar do Reno”. A briga foi enfim dirimida em 1879, com o recurso simples de criar um novo período, o Ordoviciano, a ser inserido entre os dois. Como os britânicos eram os mais ativos nos primeiros anos, predominam nomes britânicos no léxico geológico. Devoniano deriva do município inglês Devon. Cambriano vem do antigo nome romano do País de Gales, Câmbria, enquanto ordoviciano e siluriano lembram antigas tribos celtas, os ordovices e os silures. Mas, com o aumento da prospecção geológica em outras partes, começaram a surgir nomes alusivos a diversos lugares. Jurássico refere-se aos monte jura, na fronteira entre França e Suíça. Perminano lembra a antiga província russa de Perm, nos montes Urais. Devemos o nome cretáceo (da palavra latina para “giz”) a um geólogo belga com o nome pomposo de J. J. d’Omalius d’Halloy.
Originalmente, a história geológica dividia-se me quatro períodos de tempo: Primário, Secundário, Terciário e Quartenário. O sistema era arrumadinho demais para perdurar, e logo os geólogos estavam criando divisões adicionais, enquanto eliminavam outras. O Primário e o Secundário caíram em total desuso, enquanto o Quartenério foi descartado por alguns, mas mantida por outros.
Atualmente, apenas o Terciário permanece como uma designação universal, embora já não represente
um terceiro período.
Lyell, em seus Principles, introduziu unidades adicionais conhecidas como épocas para cobrir o período desde a era dos dinossauros, entre elas o Pliostoceno (“a mais recente”), Plioceno (“mais recente”), Mioceno (“moderadamente recente”) e o carinhosamente vago Oligoceno (“quase nada recente”). Originalmente ele pretendia empregar “-synchronous” para suas terminações, dando-nos designações de sonoridade desagradável como Meiosynchronous e Pleiosynchronous.
O reverendo William Whewell, um homem influente, contestou por timos etimológicos e sugeriu, em seu lugar, um padrão “-eous”, produzindo Meioneous, Pleioneous e assim por diante. As terminações “cene” (“ceno” em português) foram, portanto, uma espécie de meio-termo.
Atualmente, e falando em termos bem gerais, o tempo geológico divide-se primeiro em quatro granes blocos conhecidos como eras: Pré-cambriano, Paleozóico (do grego “vida antiga”), Mesozóico (“vida média”) e Cenozóico (“vida recente”). Essas quatro eras subdividem-se entre uma dúzia e vinte subgrupos, geralmente denominados períodos, não obstante às vezes serem conhecidos como sistemas. A maioria é razoavelmente bem conhecida: Cretáceo, Jurássico, Triássico, Siluriano, etc.*

  • [Você não terá de fazer nenhuma prova aqui, mas se algum dia precisar memorizar esses termos, talvez convenha lembrar o conselho útil de John Wilford de imaginar as eras (Pré-cambriano, Paleozóico, Mesozóico e Cenozóico) como estações do ano e os períodos (Permiano, Triássico, Jurássico, etc.), como os meses.]
    Depois vêm as épocas de Lyell – o Plistoceno, o Mioceno, e assim por diante –, que se aplicam somente aos mais recentes (mas paleontologicamente agitados) 65 milhões de anos, e afinal temos uma massa de subdivisões mais detalhadas conhecidas como estágios ou idades. A maioria recebe nomes, quase sempre esquisitos, alusivos a lugares: Illinoiano, Desmoinesiano, Croixiano, Kimmeridgiano, e assim por diante, nesse mesmo estilo. De acordo com John McPhee, chegam a “dezenas de dúzias”.
    Felizmente, a não ser que vá seguir a carreira de geologia, será difícil você voltar a ouvi-los. Para confundir mais as coisas, os estágios ou idades nos Estados Unidos têm seus nomes diferentes dos estágios na Europa e coincidem apenas parcialmente com eles no tempo. Desse modo, o estágio Cincinnatiano nos Estados Unidos correponde, na maior parte, ao estágio Ashgilliano na Europa, acrescido de um pedacinho do estágio Caradociano anterior.
    E tudo isso ainda muda de um livro didático para outro e de uma pessoa para outra, de modo que algumas autoridades descrevem sete épocas recentes, enquanto outras se contentam com quatro. Além disso, em alguns livros, Terciário e Quartenário foram suprimidos e substituídos por períodos de durações diferentes chamados Paleógeno e Neógeno. Outros Dividem o Pré-cambriano em duas eras, o bem antigo Arqueano e o mais recente Proterozóico. Você também poderá ver o termo Fanerozóico sendo usado para descrever o período que engloba as eras cenozóica, esozóica e paleozóica.
    Continua

História da Paleontologia 2ª Parte


Em 1787, alguém em Nova Jersey – exatamente quem parece hoje ter sido esquecido – encontrou um fêmur enorme projetando-se para fora de uma margem de rio em um local chamado Woodbury Creek.
O osso claramente não pertencia a nenhuma espécie de animal ainda viva, pelo menos não em Nova Jersey. Do pouco que se sabe agora, acredita-se que tenha pertencido a um hadrossauro, um grande dinossauro com bico de pato. Naquela época, os dinossauros eram desconhecidos.
O osso foi enviado ao dr. Caspar Wistar, o maior anatomista do país, que o descreveu em uma reunião da American Philosophical Society, em Filadélfia, naquele outono.
Infelizmente, Wistar não soube reconhecer a importância do osso e limitou-se a algumas observações cautelosas e sem
inspiração de que aquilo não passava de uma fraude. Ele perdeu assim a chance, meio século antes de qualquer outro, de ser o descobridor dos dinossauros. Na verdade, o osso despertou tão pouco interesse que foi colocado num depósito e acabou sumindo. Assim, o primeiro osso de dinossauro
encontrado foi também o primeiro a ser perdido.
O fato de o osso não despertar maior interesse é bem estranho, pois ele apareceu numa época em que os Estados Unidos viviam uma onda de entusiasmo em torno dos resquícios de animais grandes e antigos. A causa dessa efervescência foi uma afirmação estranha do grande naturalista francês conde de Buffon – aquele das esferas aquecidas do capítulo anterior – de que os seres vivos do Novo Mundo eram inferiores, em quase todos os aspectos, aos do Velho Mundo. A América, Buffon escreveu em seu vasto e estimado Histoire naturelle, era uma terra onde a água era estagnada, o solo, improdutivo e os animais, sem tamanho nem vigor, tinham suas constituições enfraquecidas pelos “vapores nocivos” que emergiam de seus pântanos pútridos e de suas florestas sem sol. Em tal ambiente, mesmo os índios nativos careciam de virilidade. “Eles não têm nenhuma barba nem pêlos no corpo”, confidenciou o sabichão, “e nenhum ardor pelas mulheres.” Seus órgãos reprodutivos eram “pequenos e fracos”.
As observações de Buffon, por incrível que pareça, receberam o apoio entusiasmado de outros autores, especialmente aqueles sem nenhuma familiaridade real com o continente americano. Um holandês chamado Corneille de Pauw anunciou, em uma obra popular chamada Recherches
philosophiques sur les américains [Pesquisas filosóficas sobre os americanos], que os homens americanos nativos, além de reprodutivamente fracos, “tinham tão pouca virilidade que saía leite de seus peitos”. Tais pontos de vista desfrutaram de uma estranha durabilidade e ainda eram repetidos ou refletidos nos textos europeus até quase o final do século XIX.
Claro que essas calúnias foram recebidas com indignação no continente americano. Thomas Jefferson acrescentou uma refutação furiosa (e, a não ser que se entenda o contexto, totalmente desconcertante) em suas Notes on the state of Virgínia, e induziu o general John Sullivan, seu amigo de New
Hampshire, a enviar vinte soldados às florestas do norte para encontrar um alce americano macho a fim de apresentá-lo a Buffon como prova da estatura e da majestade dos uadrúpedes daquele país.
Os homens levaram duas semanas até localizar um animal adequado. Depois de abatido, descobriu- se que os cornos do alce não eram tão imponentes como Jefferson pedira, mas Sullivan ponderadamente incluiu a galhada de um veado com a sugestão de que substituísse a original. Afinal, quem na França notaria a diferença?
Neste ínterim, em Filadélfia – a cidade de Wistar – os naturalistas haviam começado a reunir os ossos de um animal gigantesco, semelhante a um elefante, conhecido de início como “o grande incógnito americano”, mais tarde identificado, não de todo corretamente, como um mamute. O
primeiro desses ossos fora descoberto em um lugar chamado Big Bone Lick, em Kentucky, mas logo outros surgiram por toda parte. Os Estados Unidos, ao que se afigurava, havia sido no passado a terra natal de um animal realmente ubstancial – que sem dúvida refutaria as tolas alegações francesas de
Buffon.
No afã de demonstrar o volume e a ferocidade do incógnito, os naturalistas americanos parecem ter exagerado um pouco. Eles superestimaram seu tamanho em seis vezes e deram-lhe garras assustadoras, que na verdade vieramde um egalonyox, ou preguiça-terrícola-gigante, encontrado por perto. Notadamente, eles se persuadiram de que o animal esfrutara da “agilidade e ferocidade do tigre”, e retrataram-no em ilustrações saltando de pedras sobre as presas com a elegância de um felino. Quando presas foram descobertas, forçaram a barra para ajustá-las à cabeça do animal de
várias maneiras inventivas. Um restaurador as prendeu de cabeça para baixo, como os caninos de um tigre-dentes-de-sabre, dando-lhe um aspecto satisfatoriamente agressivo. Outro dispôs as presas curvadas para trás com base na teoria atraente de que o animal havia sido aquático, usando-as para
se agarrar nas árvores enquanto cochilava. A observação mais pertinente sobre o incógnito, porém,foi que parecia extinto – fato que Buffon de bom grado aproveitou como prova de sua natureza incontestavelmente degenerada.
Buffon morreu em 1788, mas a controvérsia prosseguiu. Em 1795, uma seleção de ossos chegou a Paris, onde foram examinados pela estrela em ascenção da paleontologia, o jovial e aristocrático Georges Cuvier. Cuvier já vinha fascinando as pessoas com seu talento incomum para reunir pilhas de ossos desarticulados, dando-lhes uma forma. Dizia-se que ele era capaz de descrever o aspecto e a natureza de um animal com base em um único dente ou fragmento de maxilar, e muitas vezes ainda dizer o nome da espécie e do gênero. Percebendo que não ocorrera a ninguém nos Estados Unidos redigir uma descrição formal do animal pesadão, Cuvier resolveu fazê-lo, tornando-se assim seu descobridor oficial. Chamou-o de mastodonte (que significa, um tanto inesperadamente, “dentes em forma de mamilo”).
Inspirado pela controvérsia, em 1796 Cuvier escreveu um artigo memorável, Note on the species of living and fossil elephants [Nota sobre as espécies de elefantes vivos e fósseis], em que apresentou pela primeira vez uma teoria formal das extinções.
Sua crença era de que, de tempos em tempos, a Terra experimentara catástrofes globais em que grupos de animais foram exterminados. Para as
pessoas religiosas, incluindo o próprio Cuvier, a ideia trazia implicações desagradáveis, já que sugeria uma casualidade inexplicável por parte da Providência. Com que finalidade Deus criaria espécies para depois exterminá-las? A noção contrariava a crença na Grande Cadeia dos Seres, que
sustentava que o mundo estava cuidadosamente ordenado e que cada ser vivo dentro dele tinha um lugar e um propósito, e sempre tivera e viria a ter. Jefferson, por exemplo, não conseguia aceitar a ideia de que espécies inteiras pudessem desaparecer (ou mesmo evoluir).
Assim, quando sugeriram que enviar um grupo para explorar o interior dos Estados Unidos além do Mississippi poderia ter valor científico e político, ele se empolgou com a ideia, esperando que os intrépidos aventureiros encontrassem bandos de mastodontes saudáveis e outros animais avantajados pastando nas planícies férteis. O secretário pessoal de Jefferson, e seu amigo íntimo, Meriwether Lewis, foi escolhido como um dos líderes e designado o naturalista-chefe da expedição. A pessoa escolhida
para aconselhá-lo na busca de animais, vivos ou mortos, foi ninguém menos que Caspar Wistar. Naquele mesmo ano – na verdade, no mesmo mês – em que o aristocrático e célebre Cuvier propunha suas teorias da extinção em Paris, do outro lado do canal da Mancha, um inglês um pouco mais obscuro tinha um insight sobre o valor dos fósseis que também teria ramificações duradouras.
William Smith era um jovem supervisor da construção do canal de Somerset Coal. Na noite de 5 de janeiro de 1796, estava sentado numa estalagem em Somerset quando anotou a ideia que o tornaria famoso.
Para interpretar rochas, é preciso certo meio de correlação, uma base para saber que aquelas rochas carboníferas de Devon são mais novas do que as rochas cambrianas de Gales. O insight de Smith foi perceber que a resposta repousa nos fósseis. Em cada mudança de estrato de rocha, certas espécies de fósseis desapareciam, enquanto outras continuavam em níveis subsequentes.
Percebendo quais espécies apareciam em quais estratos, era possível determinar a idade relativa das rochas onde cada espécie aparecia. Com base em sua experiência de topógrafo, Smith começou a traçar um mapa dos estratos de rocha britânicos, que seria publicado, após várias tentativas, em 1815 e se tornaria um dos pilares da geologia moderna. (Essa história é narrada em detalhes no popular livro de Simon Winchester, O mapa que mudou o mundo).
Infelizmente, depois de seu insight, Smith curiosamente não se interessou em entender por que as rochas estavam dispostas da maneira como estavam. “Parei de tentar decifrar a origem dos estratos e me contento em saber que é assim que eles são”, ele registrou. “Os porquês não podem estar ao
alcance de um topógrafo de minerais.”
A revelação de Smith sobre os estratos aumentou o mal-estar moral em relação às extinções. Para início de conversa, ela confirmava que Deus havia extinguido animais não uma vez ou outra, mas repetidamente. Mais do que indiferente, isso O fazia parecer estranhamente hostil. Além disso,tornava inconveniente necessário explicar como algumas espécies foram exterminadas, enquanto outras continuaram incólumes por longas eras de sucesso. Era evidente que as extinções iam além do mero dilúvio bíblico. Cuvier resolveu a questão, para sua própria satisfação, sugerindo que o Gênese dizia respeito apenas à inundação mais recente.
Deus, ao que se afigurava, não quisera perturbar ou alarmar Moisés com notícias de extinções anteriores e irrelevantes.
Desse modo, nos anos iniciais do século XIX, os fósseis ssumiram certa importância inevitável, o que torna ainda mais deplorável a incapacidade de Wistar de dar o devido valor a seu osso de dinossauro. De qualquer forma, de repente, ossos vinham aparecendo por toda parte. Várias outras oportunidades surgiram para os norte-americanos reivindicarem a descoberta dos dinossauros, mas todas foram desperdiçadas. Em 1806, a expedição de Lewis e Clark passou pela formação de Hell Creek, em Montana, uma área onde os caçadores de fósseis iriam, mais tarde, literalmente esbarrar
em ossos de dinossauros, e chegou a examinar o que era sem dúvida um osso de dinossauro incrustado na rocha, mas não tirou nenhuma conclusão daquilo.
Outros ossos e pegadas fossilizadas foram encontrados no vale do rio Connecticut, na Nova Inglaterra, depois que um jovem fazendeiro chamado Plinus Moody descobriu rastros antigos em uma saliência de rocha em South Hadley, Massachusetts. Alguns desses fósseis pelo menos sobrevivem – particularmente os ossos de um anquissauro, que fazem parte do acervo do Museu Peabody, em Yale. Encontrados em 1818, foram os primeiros ossos de dinossauro a ser examinados e salvos, mas infelizmente sua verdadeira importância só veio a ser reconhecida em 1855. Naquele ano de 1818, Caspar Wistar morreu, contudo adquiriu uma imortalidade inesperada quando um botânico chamado Thomas Nuttall batizou com o nome dele uma adorável trepadeira. Alguns botânicos puristas ainda insistem em chamá-la de wistéria (glicínia).
Àquela altura, porém, a liderança paleontológica havia passado para a Inglaterra. Em 1812, em Lyme Régis, na costa de Dorset, uma criança extraordinária chamada Mary Anning – de onze, doze ou treze anos, dependendo do relato que se lê – encontrou um estranho monstro marinho fossilizado, com cinco metros de comprimento, hoje conhecido como ictiossauro, incrustado nos penhascos íngremes e perigosos ao longo do canal da Mancha.
Foi o início de uma carreira notável. Anning passaria os 35 anos seguintes coletando fósseis, que vendia aos visitantes. (Ela é considerada a inspiradora do famoso trava-língua inglês “She sells seashells on the seashore – “Ela vende conchas à beira-mar”.)
Ela também encontraria o primeiro plesiossauro, outro monstro marinho, bem como um dos primeiros e melhores pterodáctilos. Embora nenhum deles fosse tecnicamente um dinossauro, aquilo não importava na época, já que ninguém
sabia o que era um dinossauro. Era suficiente perceber que o mundo abrigara outrora animais totalmente diferentes de qualquer um que podíamos encontrar então.
Anning era insuperável na capacidade de encontrar fósseis, e ainda por cima conseguia extraí-los com delicadeza e sem danificá-los. Se você tiver a chance de visitar a sala de répteis marinhos antigos do Museu de História Natural de Londres, não deixe de fazê-lo, pois não há outra forma de apreciar a escala e a beleza das realizações dessa jovem, trabalhando praticamente sozinha, com as ferramentas mais básicas, em condições quase inviáveis. Só o plesiossauro consumiu dez anos de escavação paciente. Apesar de pouco instruída, Anning também conseguia fornecer desenhos e descrições adequados para os estudiosos. Mas, apesar de suas habilidades, descobertas importantes eram raras, e ela passou a maior parte da vida na pobreza.
É difícil imaginar alguém mais esquecido na história da paleontologia que Mary Anning, mas houve alguém que chegou perto. Seu nome era Gideon Algernon Mantell, e ele era um médico rural em Sussex.
Embora fosse um poço de defeitos – vaidoso, autocentrado, pedante, negligente com a família –,nunca houve um paleontologista amador mais dedicado. Ele também teve a sorte de ter uma esposa dedicada e observadora. Em 1822, enquanto o marido atendia a um paciente no interior de Sussex, a sra. Mantell foi passear por uma alameda próxima e, numa pilha de cascalho que havia sido deixada para tapar buracos, encontrou um objeto curioso: uma pedra marrom curva, do tamanho de uma noz pequena. Sabedora do interesse do marido em fósseis, e achando que aquilo poderia ser um, ela a levou consigo. Mantell viu de imediato que se tratava de um dente fossilizado, e, após um breve estudo, convenceu-se de que era de um animal herbívoro, réptil, extremamente grande – com vários metros de comprimento – e do período Cretáceo. Ele acertou em todos os itens, mas foram conclusões audaciosas, já que nada do gênero jamais havia sido visto ou imaginado.
Percebendo que sua descoberta subverteria totalmente a compreensão do passado, e aconselhado a proceder com cautela pelo amigo reverendo William Buckland – aquele da beca e do apetite por animais exóticos –, Mantell passou três anos buscando pacientemente indícios que respaldassem suas conclusões. Ele enviou o dente para Cuvier, em Paris, pedindo uma opinião, mas o grande francês descartou-o, afirmando pertencer a um hipopótamo. (Curvier mais tarde pediu desculpas, educadamente, por seu erro incomum.) Um dia, durante pesquisas no Museu Hunteriano de Londres,
Mantell entabulou conversa com um colega pesquisador que contou que o dente se assemelhava ao dos animais que vinha estudando: os iguanas sul-americanos. Uma comparação apressada confirmou a semelhança. Foi assim que o animal de Mantell se tornou o iguanodonte, devido ao lagarto ropical
amante dos banhos de sol com o qual não tinha o menor parentesco. Mantell preparou um artigo a ser apresentado à Royal Society. Infelizmente, naquele ínterim, outro dinossauro havia sido descoberto em uma pedreira em Oxfordshire e acabara de ser formalmente descrito – pelo reverendo Buckland, aquele que o aconselhara a não trabalhar com pressa. Foi o megalossauro, e quem sugeriu o nome a Buckland foi o amigo James Parkinson, o aspirante a radical
e epônimo da doença de Parkinson. Cabe lembrar que Buckland era antes de tudo um geólogo, e mostrou isso em seu trabalho sobre o megalossauro. Em seu relato, para as Transactions of the Geological Society of London [Atas da Sociedade Geológica de Londres], ele observou que os
dentes do animal não estavam presos diretamente ao osso maxilar, como nos lagartos, mas inseridos em alvéolos à maneira dos crocodilos. Entretanto, tendo observado esse detalhe, Buckland deixou de perceber o que de fato importava: que o megalossauro era um tipo de animal totalmente novo. Assim, embora seu relato demonstrasse pouca perspicácia ou visão, foi a primeira descrição publicada de um dinossauro. Portanto, Buckland ficou com a fama da descoberta dessa linhagem antiga de seres, embora Mantell a merecesse muito mais. Sem saber que sua vida seria uma sucessão de desapontamentos, Mantell continuou caçando fósseis – ele encontrou outro gigante, o Hylaeosaurus, em 1833 – e comprando outros de trabalhadores de pedreiras e fazendeiros, até possuir provavelmente a maior coleção de fósseis da Grã-Bretanha.
Mantell era um excelente médico e um caçador de ossos igualmente talentoso, mas não conseguiu equilibrar ambos os talentos. À medida que sua mania de colecionar crescia, passou a negligenciar a clinica médica. Logo fósseis atulhavam quase toda a sua casa em Brighton e consumiam grande parte de sua renda. Quase todo o resto servia para financiar a publicação de livros que poucas pessoas se
davam ao trabalho de comprar. Illustrations of the geology of Sussex, publicado em 1827, vendeu apenas cinquenta exemplares e deu um prejuízo de trezentas libras – uma soma substancial na época.
Desesperado, Mantell teve a ideia brilhante de transformar sua casa num museu e cobrar ingresso, mas depois percebeu que esse ato mercenário arruinaria sua imagem de cavalheiro, e mais ainda a de cientista. Assim, ele permitiu que as pessoas visitassem sua casa gratuitamente. Elas acorreram às
centenas, semana após semana, arruinando a clínica médica e sua vida doméstica. Ele acabou sendo forçado a vender grande parte da coleção para pagar dívidas. Logo depois, sua esposa o abandonou, levando consigo os quatro filhos.
Por incrível que pareça, seus problemas estavam. Apenas começando. No distrito de Sydenham, no Sul de Londres, num local chamado Crystal Palace Park, ergue-se uma
visão estranha e esquecida: os primeiros modelos do mundo, em tamanho real, dos dinossauros.
Poucas pessoas vão lá atualmente, mas essa já foi uma das atrações mais populares de Londres – na verdade, como observou Richard Fortey, o primeiro parque temático do mundo.
Muita coisa nos modelos não está rigorosamente certa. O polegar do iguanodonte foi colocado no nariz, como uma
espécie de ferrão, e o animal ergue-se sobre quatro patas robustas, o que o faz parecer um cachorro atarracado e desajeitadamente grande. (Na vida real, o iguanodonte não se agachava sobre quatro patas, era bípede.) Olhando esses modelos agora, mal se consegue imaginar que aqueles animais estranhos e pesadões pudessem despertar rancor e animosidade, porém foi o que aconteceu. Talvez nada na história natural tivesse sido objeto de um ódio mais intenso e duradouro do que a linhagem de animais antigos conhecidos como dinossauros.
Na época da construção das réplicas dos dinossauros, Sydenham situava-se no limite de Londres e seu parque espaçoso foi considerado o lugar ideal para reerguer o famoso Palácio de Cristal, a estrutura de vidro e ferro fundido que havia sido o destaque da Grande Exposição de 1851, e que naturalmente deu o nome ao novo parque. Os dinossauros, construídos com concreto, eram uma espécie de atração extra. Na véspera do Ano-Novo de 1853, um notável jantar foi oferecido a 21 cientistas proeminentes dentro do iguanodonte inacabado. Gideon Mantell, o homem que encontrara e identificara o iguanodonte, não estava entre eles. A pessoa à cabeceira da mesa era o maior astro da
jovem ciência da paleontologia. Seu nome era Richard Owen e àquela altura ele já dedicara vários anos produtivos a infernizar a vida de Mantell.
Owen crescera em Lancaster, no Norte da Inglaterra, onde estudara medicina. Tinha uma vocação inata para a anatomia e, de tão dedicado aos estudos, às vezes levava ilicitamente membros, órgãos e outras partes de cadáveres para casa a fim de dissecá-los com calma.
Certa vez, ao levar num saco a cabeça de um marinheiro africano negro que acabara de remover, Owen tropeçou numa pedra úmida e viu, horrorizado, a cabeça cair do saco, rolar ruela abaixo e entrar pela porta aberta de uma casa, indo parar na sala. Podemos imaginar a reação dos moradores diante de uma cabeça sem corpo rolando até parar aos seus pés. Supõe-se que não tenham chegado a conclusões precipitadas quando, um instante depois, um homem jovem com ar apavorado correu para dentro da casa, apanhou a cabeça sem falar uma palavra e saiu às pressas.
Em 1825, com apenas 21 anos, Owen mudou-se para Londres e logo após foi contratado pelo Colégio Real de Cirurgiões para ajudar a organizar suas coleções amplas, mas sordenadas, de espécimes médicos e anatômicos. A maioria havia sido deixada para a instituição por John Hunter,
um cirurgião afamado e colecionador incansável de curiosidades médicas, porém as peças nunca haviam sido catalogadas ou organizadas, em grande parte porque a documentação que explicava o significado de cada uma desaparecera após a morte de Hunter.
Owen rapidamente se distinguiu pela capacidade de organização e dedução. Ao mesmo tempo, revelou-se um anatomista sem igual, com uma aptidão para a reconstituição quase igual à do grande Cuvier, de Paris. Tornou-se tamanho expert na anatomia dos animais que recebeu o direito de dispor de qualquer deles que morresse no zoológico de Londres, que mandava levar para casa a fim de examiná-lo. Certa vez, de volta ao lar, a esposa encontrou um rinoceronte recém-morto atravancando o corredor de entrada.
Owen rapidamente se tornou um grande especialista em todos os tipos de animais vivos e extintos: de ornitorrincos, equidnas e outros marsupiais recém-descobertos ao desafortunado dodô e às extintas aves gigantescas denominadas moas que haviam perambulado pela Nova Zelândia até serem exterminadas pelos maoris, que se alimentavam delas. Foi o primeiro a descrever o arqueópterix, após sua descoberta na Baviera, em 1861, e o primeiro a escrever um epitáfio formal para o dodô. No todo, redigiu cerca de seiscentos artigos sobre anatomia, uma produção prodigiosa.
Mas é por seu trabalho com os dinossauros que Owen é lembrado. Ele cunhou o termo dinosauria em 1841. A palavra significa “lagarto terrível” e foi um nome curiosamente impróprio. Os dinossauros, como sabemos hoje, não eram todos terríveis – alguns não eram maiores que coelhos e é provável que fossem bem recatados – e definitivamente não tinham nenhuma ligação com os lagartos, que são de uma linhagem bem mais antiga (por volta de 30 milhões de anos).
Owen sabia muito bem que os dinossauros eram répteis e tinha à sua disposição uma palavra grega ótima, herpeton, mas por alguma razão preferiu não usá-la. Outro erro mais desculpável (dada a escassez de espécimes na época) é que os dinossauros não constituem uma, e sim duas ordens de répteis: os ornitisquianos, com quadris de aves, e os aurisquianos, com quadris de lagartos.
Owen não era uma pessoa atraente na aparência nem no temperamento. Uma fotografia dele no final da meia-idade mostra uma figura esquelética e sinistra, como o vilão de um melodrama vitoriano, cabelos longos escorridos e olhos salientes – uma cara de assustar qualquer bebê. Sua conduta era fria e arrogante, e ele não tinha escrúpulos ao perseguir suas ambições. Ao que se saiba, foi a única pessoa que Charles Darwin odiou.
Mesmo o filho de Owen (que acabaria por se suicidar)
referiu-se à “lamentável frieza de coração” do pai.
Seu talento indubitável como anatomista permitia que escapasse impune das mais deslavadas desonestidades. Em 1857, o naturalista T. H. Huxley estava folheando uma nova edição do Churchill’s Medical Directory [Catálogo médico de Churchill] quando observou que Owen constava como professor de anatomia comparativa e fisiologia da Escola Governamental de Minas. Huxley ficou surpreso porque aquele cargo era dele. Após investigar como Churchill cometera um erro tão elementar, descobriu que o próprio Owen havia fornecido a formação.
Um colega naturalista chamado Hugh Falconer, por sua vez, flagrou Owen apropriando-se de uma de suas descobertas.
Outros acusavam-no de pedir espécimes emprestados e depois negar que o tivesse feito. Owen chegou a se envolver num conflito acirrado com o dentista da rainha sobre a autoria de uma teoria sobre a fisiologia dos dentes.

História da Paleontologia


A Paleontologia surgiu do esforço e da curiosidade de inúmeros pesquisadores ao redor do mundo. Várias foram as questões-chave para a sua consolidação como ciência. Neste texto serão abordadas as diferentes interpretações dos fósseis ao longo da história, o surgimento da noção de tempo profundo e a estratigrafia, a correlação dos fósseis com a história natural da Terra, o estabelecimento do conceito de extinção, a sistematização da paleontologia como ciência e as implicações das ideias evolutivas na interpretação do registro fossilífero.

Interpretações sobre a Origem dos Fósseis ao longo da História
Ao longo da história, diversos povos tiveram contato com fósseis e os incorporam à sua cultura de maneiras distintas. Tribos paleolíticas utilizavam conchas fósseis, especialmente de moluscos gastrópodes, como ornamentos, o que é evidenciado por achados nas cavernas de Lascaux, na França, de conchas perfuradas para a suspensão por fios, possivelmente utilizados como colares. Na Grécia Antiga, os amonites (moluscos cefalópodes) eram associados a chifres de bode, tidos como símbolos sagrados devido ao deus Júpiter Ammon. Eram conhecidos como Cornu Ammonis – chifres de Amon -, de onde originou-se o nome científico “amonites” posteriormente.
A semelhança dos fósseis com plantas e animais atuais sempre chamou atenção, mas suas particularidades em forma e composição impunham um desafio complexo para autores que tentavam explicá-los. Diversos pensadores gregos, como Xenófanes (556/560 – 470/480 a.C.), atribuíam a presença de conchas fósseis em locais afastados dos oceanos a eventos catastróficos e invasões dos mares que teriam transportado estes materiais para o interior do continente.
O naturalista romano Gaius Plinius Secundus (23/24 – 79), conhecido como Plínio, o Velho, interpretava os fósseis sob uma ótica mística. Ele acreditava que os amonites dourados (devido à piritização) da Etiópia, se colocados embaixo do travesseiro ao dormir, despertariam a capacidade de prever o futuro em sonhos. Plínio também acreditava que dentes de tubarão fossilizados eram pedras caídas do céu durante eclipses lunares. Esses dentes posteriormente seriam interpretados como línguas de cobras, petrificadas pelo apóstolo Paulo durante uma visita às ilhas de Malta. Essas pedras foram chamadas de Glossopetrae – pedras-língua – e eram tidas como capazes de proteger de mordidas de cobras, sendo utilizadas como amuletos de proteção e até colocadas em bebidas para neutralizar o efeito de possíveis venenos.Após a fragmentação do Império Romano do Ocidente e o crescimento do poder da Igreja Católica, as interpretações da natureza nos povos europeus cristãos ficaram marcadas por uma forte visão escolástica, que negligenciava a observação direta da natureza, de modo que pouco progresso foi feito no estudo de fósseis nos primeiros séculos da Idade Média.
Um exemplo do misticismo atribuído aos fósseis durante a Idade Média é o caso dos amonites de Whitby. A lenda conta que a cidade de Whitby, na Inglaterra, já esteve infestada de cobras e estas foram transformadas em pedra pela abadessa Hilda (614 – 680), hoje reconhecida como uma santa cristã. Isto se dá pela associação dos fósseis de amonites com a imagem de cobras petrificadas sem cabeça ou cauda. A falta da cabeça nas cobras petrificadas é, inclusive, associada a ação de outro santo, o monge Cuteberto (634 – 687), que teria lançado um feitiço de decapitação nas cobras.
Avicena (980 – 1037), polímata persa e tradutor de Aristóteles (385 – 323 a.C.), tentou estender a Teoria da Geração Espontânea, organizada por este filósofo grego, para explicar a origem dos fósseis. Para Avicena, estes teriam surgido pela força criativa (vis plastica) que continuamente criaria matéria orgânica a partir de matéria inorgânica. Entretanto, os fósseis seriam tentativas malsucedidas da natureza, tendo produzido a forma, mas não a vida animal de fato. Estas estruturas de pedra semelhantes a organismos eram muitas vezes denominadas ludus naturae, ou brincadeiras da natureza. Alberto Magno (1193 – 1280), um dos maiores teólogos da história ocidental, mais de 200 anos após os trabalhos de Avicena, mantinha uma perspectiva muito parecida sobre a origem dos fósseis, atribuindo-a a uma virtus formativa, uma força na Terra que seria responsável pela origem das plantas e animais.

Já no século XV, Leonardo da Vinci (1452 – 1519) deu um passo importante no entendimento dos fósseis ao interpretar conchas fósseis encontradas em montanhas como sendo registros de animais que ali viveram no passado, em detrimento da hipótese de que teriam sido transportados de oceanos atuais por eventos catastróficos. Para da Vinci, rios de lama teriam alcançado os mares que cobriam as montanhas da Itália e preenchido as conchas de moluscos mortos. Esses depósitos de lama e conchas que preenchiam o fundo dos mares teria então secado e preservado os moldes de conchas antigas.
Girolamo Fracastoro (1478 – 1553) tinha uma visão parecida com a de da Vinci. Durante a construção da cidadela de San Felice, em Verona (Itália), construtores encontraram fósseis de mexilhões (moluscos bivalves) marinhos e pediram para que Fracastoro explicasse tal maravilha. O italiano desprezava a ideia da vis plastica defendida por Avicena e também considerava que a ideia de que os animais ali encontrados teriam sido trazidos pelo dilúvio era impossível, visto que tal evento resultaria na aparição de mexilhões de água doce, não marinhos, e que estes estariam espalhados pela superfície, não enterrados profundamente como se via. Para Fracastoro, a única explicação era de que aqueles eram registros de animais que teriam vivido ali onde eram encontrados.
Já no século XVII, Nicolaus Steno (1638-1686) desvendou o mistério das glossopetrae ao dissecar a cabeça de um tubarão moderno e comparar a morfologia de seus dentes às místicas “pedras-língua”, mostrando que eram praticamente idênticos. Robert Hooke (1635-1703), contemporâneo de Steno, utilizando-se de um microscópio rudimentar, comparou detalhadamente plantas e moluscos fósseis a espécimes atuais, mostrando que as explicações mágicas sobre a origem dos fósseis eram infundadas. Hooke inclusive chegou a considerar que os espécimes muito diferentes dos seres atuais poderiam ser formas extintas, mas no geral ao se deparar com tais exemplares era comum imaginar-se que eram espécies ainda não descobertas, o que era sustentado, no caso dos seres marinhos, pela vastidão dos oceanos ainda muito pouco explorados.
John Woodward (1665-1728), paleontólogo inglês, também era adepto da ideia de que fósseis tinham uma origem orgânica. Em sua obra Um ensaio sobre a História Natural da Terra e corpos terrestres (1695), ele descreve fósseis, rochas e minerais de sua coleção, se opondo fortemente a concepção de que fósseis eram meras imitações ou tentativas malsucedidas de criar a vida, colocando que representavam de fato faunas e floras pretéritas. Porém, o autor supunha que esses registros haviam sido carregados para sua posição presente através de um Dilúvio Universal, ideia fundamentada a partir da literatura bíblica judaico-cristã e sustentada pelo movimento protestante que vinha crescendo na Europa.
Mesmo com a existência de visões como as de Da Vinci, Fracastoro, Steno, Hooke e até os autores que defendiam a teoria do dilúvio bíblico, como Woodward, ainda existiam no século XVIII vários pensadores que não aceitavam a ideia de que os fósseis tinham como origem os seres vivos e preferiam defender a posição de que estes eram originados da matéria inorgânica. Esta ideia perdeu força com um evento muito peculiar ocorrido na Alemanha em 1726. Johannes Bartholomew Beringer (1667 – 1738), um professor na Universidade de Wüzburg, publicou um trabalho com descrições ilustradas de diversos fósseis, com vários espécimes de Muschelkalk, Triássico Médio da Alemanha. Junto aos espécimes triássicos eram descritas também formas peculiares, sóis, luas, estrelas e até letras hebraicas, interpretadas e ilustradas como sendo fósseis. Acontece que os alunos de Beringer, que já não acreditavam nas ideias aristotélicas da Geração Espontânea, esconderam no sedimento essas formas produzidas artificialmente e enganaram o professor de modo a fazê-lo descobri-las em campo. Foi só quando o próprio nome de Beringer foi encontrado entre essas formas que ele então percebeu o que havia ocorrido. O professor tentou comprar os exemplares de seu trabalho e destruí-los, mas em 1767 uma nova versão foi publicada, eternizando o caso como uma estranha curiosidade da ciência e parte da história da Paleontologia. Com isso, a ideia da Geração Espontânea como explicação para a origem dos fósseis foi fortemente desacreditada e estabeleceu-se a noção de que fósseis eram provenientes de seres vivos.A Idade da Terra e a Estratigrafia
Tão importante para a história da Paleontologia quanto o estabelecimento de uma origem orgânica para o registro fossilífero foram as investigações sobre a idade da Terra e as metodologias desenvolvidas para estudá-la. Até o século XVII a única ideia amplamente aceita sobre a idade da Terra era baseada nos textos bíblicos. Em 1658, foi publicada a obra Os Anais do Mundo, trabalho do Arcebispo irlandês James Ussher (1581-1656), que se utilizou das escrituras judaico-cristãs para estimar a idade da Terra, concluindo que esta teria cerca de seis mil anos, tendo ocorrido o primeiro dia da Criação em 23 de outubro de 4004 a.C. O conceito de uma Terra jovem ia ao encontro das explicações diluvianas para o aparecimento de fósseis marinhos no ambiente continental e era, portanto, amplamente aceito por pensadores desta corrente.
Entretanto, materiais como as Glossopetrae intrigavam o já citado Nicolaus Steno. Ter identificado que as “pedras-língua” eram na verdade dentes de tubarão não foi suficiente para o dinamarquês. Como era possível um corpo sólido, como um dente de tubarão, ser encontrado contido em outro corpo sólido, como uma rocha? Esta e outras questões levaram à publicação de 1669 intitulada De solido intra solidum naturaliter contento dissertationis prodromus, ou Introdução a um discurso sobre um corpo sólido incluído de forma natural dentro de outro corpo sólido. Entre questões como os fósseis e os cristais, Steno explicou a formação e as características dos estratos, as camadas de rocha por ele observadas, em especial na Toscana (Itália). O autor compara depósitos fossilíferos a rochas não-fossilíferas, chegando à conclusão de que estas representam um tempo anterior ao surgimento dos organismos vivos, quando a Terra era envolvida por um oceano universal. As camadas homogêneas e de granulometria fina seriam, então, representativas dos depósitos mais antigos, enquanto as camadas que apresentassem heterogeneidade na granulometria e composição e a presença de fósseis, corresponderiam a depósitos mais recentes. Por mais imprecisa que fosse tal definição, Steno já estava interpretando as camadas de rocha como sendo depósitos correspondentes a um determinado período da história da Terra e cujas características forneciam informações a respeito do seu ambiente de formação. Este é o conceito fundamental da Estratigrafia, ciência que estuda a sucessão das camadas de rocha (estratos) e os eventos que as formaram. Mas o autor vai ainda mais além e define três princípios que são até hoje tidos como a base da Estratigrafia:
Princípio da Horizontalidade Original: as partículas sedimentares de um fluído acomodam-se sob a influência da gravidade, portanto as camadas são originalmente depositadas horizontalmente. Desta forma, qualquer camada que esteja inclinada ou perpendicular ao horizonte deve ter sofrido perturbação posterior à sua formação.
Princípio da Superposição de Camadas: em uma sucessão de estratos, não tendo havido deformações, o estrato mais antigo posiciona-se mais abaixo e os estratos sucessivamente mais jovens posicionam-se acima. Originalmente a ideia de Steno era de que os estratos iniciais teriam sido formados a partir da precipitação do oceano universal e posterior acumulação de sedimentos, de forma que durante sua formação somente água estaria acima. O próximo estrato se formaria então apenas quando o primeiro estivesse consolidado, originando assim o empilhamento das camadas. A ideia de um oceano universal e a limitação da formação de estratos a somente ambientes aquosos não encontra fundamentação atualmente, mas o princípio de acumulação de sedimentos mais jovens sobre uma camada mais antiga e já consolidada se mantém. Daí a importância desse princípio.
Princípio da Continuidade Lateral Original: todo estrato deve cobrir o mundo todo ou ser limitado lateralmente por outro depósito sólido. Ampliando um pouco o conceito original, entendemos que os estratos se estendem em todas as direções até que sua espessura chegue a zero ou seja limitado por sua bacia deposicional. Outras tentativas de explicar a sucessão dos estratos geológicos foram feitas após o trabalho de Steno. John Woodward, também anteriormente citado, utilizava o evento do Dilúvio Universal para tanto. O autor inglês colocava que anteriormente ao Dilúvio, a conformação da superfície da Terra era semelhante ao que observamos hoje e que a biodiversidade também pouco se diferenciava da atual. O interior da Terra havia sido preenchido com água, que subitamente rompeu através da crosta e ergueu-se acima das montanhas mais altas. A crosta terrestre teria se desintegrado completamente com esse evento, mas as formas de vida e os metais permaneceram intactos. O material da crosta desintegrada teria então afundado e formado a sucessão estratigráfica com as rochas mais pesadas na base e os depósitos mais leves nos horizontes superiores. Fósseis mais pesados teriam sido incorporados aos estratos mais basais, abaixo dos estratos contendo fósseis mais leves como equinodermos. Nos estratos mais de topo estariam ossos de seres humanos, animais quadrúpedes, peixes, conchas e plantas. Após o dilúvio nenhum outro evento catastrófico semelhante teria ocorrido e as chuvas e os rios teriam carregado o material da superfície, que teria sido depositado nas planícies aluviais e no fundo do oceano. As ideias de John Woodward, entretanto, não encontram fundamentação atualmente, visto que as explicações de Steno para a formação dos estratos é muito mais próxima do que observamos na realidade, tendo sido fundamentais para o estabelecimento da Estratigrafia como conhecemos e estudamos no presente.
Um dos problemas que a teoria de Nicolaus Steno enfrentava no contexto de sua época era que os mecanismos que formariam os estratos demandavam tempo. Sendo o conceito da Terra jovem bem estabelecido e aceito no século XVII, como os estratos poderiam se formar a partir da deposição dos sedimentos em seis mil anos?
James Hutton (1726-1797) ampliou ainda mais essa discussão indo de encontro aos conceitos fundamentados pelos textos bíblicos. Suas observações da natureza, especialmente das rochas e minerais, levou a publicação de seu trabalho denominado de A Teoria da Terra (1788), em que aborda tópicos como a origem das rochas, a formação da Terra, erupções vulcânicas e faunas e floras antigas. Mas o ponto mais relevante de seu trabalho trata dos processos de denudação (exposição) das estruturas da superfície terrestre. Hutton descreve o efeito de agentes químicos e físicos na destruição das rochas, a ação da água no transporte dos sedimentos para os oceanos e sua posterior acumulação para a formação das camadas de rocha. O autor demonstra a dimensão do tempo necessário para que ciclos de destruição e construção feitos por agentes tão lentos possam se completar, formando a sucessão estratigráfica e as formações geológicas que observamos hoje. Para provar seu ponto, chama a atenção para a insignificância das mudanças ocorridas na superfície terrestre durante a escala de tempo histórico. Tais conclusões deram origem a um dos princípios que fundamenta a ciência da Geologia, o Uniformitarismo: os processos geológicos que atuavam no passado longínquo da Terra seriam os mesmos observados atualmente, de modo que a história do planeta é feita de múltiplos eventos de soerguimento, denudação e deposição. Assim, se fortalecia a ideia de um tempo geológico profundo, que posteriormente seria confirmado diretamente através das datações radiométricas iniciadas por Clair Patterson na década de 1950.
A Bioestratigrafia e a Estruturação da Paleontologia como Ciência
Durante o século XVIII o interesse pelo campo de estudos que tratava das rochas e minerais estava aumentando exponencialmente. Abraham Gottlob Werner (1749 – 1817) sistematizou pela primeira vez esse crescente ramo da ciência, o qual inicialmente chamou de “Ciência das Montanhas”, alterado posteriormente para “Geognosia”. Werner considerava que a Geognosia compreendia a identificação mineral das rochas, a determinação de sua posição estratigráfica, espessura e condições sob as quais foram originadas, bem como o posicionamento estratigráfico dos fósseis. Sob o termo “Geologia”, sugerido por Jean-André Deluc (1727-1817), Werner mantinha somente as especulações teóricas sobre a origem e história da Terra.
Por mais importante que tenha sido essa sistematização inicial do estudo das rochas e minerais, a Geognosia de Werner tinha alguns problemas. A sucessão cronológica de membros individuais de uma formação não podia ser determinada com precisão e os fósseis eram raramente utilizados para a identificação estratigráfica, que acabava por se utilizar mais frequentemente das características minerais das rochas.
Foi William Smith (1769-1839) quem primeiro conseguiu arranjar e identificar em ordem cronológica os estratos de rocha de acordo com os fósseis neles encontrados. O inglês confeccionou um mapa geológico da Europa em 1801 (publicado de forma completa em 1816) se utilizando principalmente de conchas fósseis. Os trabalhos anteriores, que se baseavam majoritariamente em características minerais dos estratos, dependiam muito de camadas contínuas de rocha; Smith, por se utilizar dos fósseis, conseguia correlacionar estratos não contínuos, podendo cobrir uma área mais extensa do território europeu. Assim nascia o ramo da Bioestratigrafia, a correlação estratigráfica de camadas de rocha por seu conteúdo biológico (os fósseis). William Smith é considerado também o “pai da Geologia Histórica”.
Um trabalho realizado independentemente de Smith em 1808 e que chegou a conclusões semelhantes foi o dos franceses Georges Cuvier (1769-1832) e Alexandre Brongniart (1770-1847), que avaliaram os estratos de rocha de uma seção da Bacia Sedimentar de Paris, notando uma sucessão cronológica das camadas acompanhadas por desaparecimentos e aparecimentos de grupos de fósseis, avançando das camadas da base (mais antigas) para o topo (mais recentes).
O nascimento da Bioestratigrafia trazia finalmente o conhecimento de que a investigação da flora e da fauna fóssil era um elemento-chave no estudo das formações rochosas. A identificação e correlação dos estratos de rocha só poderiam ser precisos se utilizassem tanto as características minerais das rochas, quanto o conteúdo biogênico nelas presentes. Com tais fatos estabelecidos, o estudo dos fósseis atraiu a atenção de cada vez mais pesquisadores, elevando-o à posição de uma disciplina científica independente. Essa nova ciência foi nomeada Paleontologia quase que simultaneamente por Henri Marie Ducrotay de Blainville (1777-1850) e Johann Fischer Von Waldheim (1771-1853) no ano de 1834.
Cuvier, Catastrofismo e o Conceito de Extinção
Georges Cuvier foi um naturalista francês, cuja importância para a sistematização da Paleontologia como ciência é quase imensurável. Já nas décadas finais do século XVIII, no início de sua carreira, vivendo na cidade de Fécamp, na Normandia, Cuvier realizava coletas de espécimes com os quais produzia análises anatômicas e chegava a conclusões compartilhadas através de cartas com ex-colegas e professores. Também se interessava por mineralogia e fazia observações geológicas das formações do litoral normando. Teve contato com os trabalhos de Werner e de autores como Romé de L’isle (1736-1790), Jean-Claude de La Métherie (1743-1817) e René Just-Haüy (1787-1789).
Cuvier ganhou notoriedade com suas correspondências e publicações nas quais expressava suas ideias e observações sobre anatomia. Em 1794 foi aceito como membro da Sociedade de História Natural de Paris e em 1795 foi nomeado como suplente para a cadeira de Anatomia dos Animais no Museu de História Natural de Paris. Tendo acesso à coleção do museu, Cuvier pôde ampliar consideravelmente seu conhecimento em anatomia e até abril de 1796 apresentou 18 trabalhos sobre anatomia comparada.
No mesmo mês de abril de 1796, Georges Cuvier apresentou o sumário de seu primeiro trabalho envolvendo uma espécie fóssil, no qual comparou ossadas e dentes de três espécimes de proboscídeos (grupo dos elefantes, mamutes e mastodontes), concluindo que tratavam-se de três espécies distintas, duas viventes e uma desaparecida. É preciso contextualizar que a extinção de uma espécie inteira não era um conceito estabelecido no final do século XVIII, e mesmo materiais fósseis consideravelmente diferentes de qualquer ser vivo atual eram tratados com ressalva, geralmente levando à conclusão de que estariam vivos em algum lugar remoto do planeta, o denominado argumento do “fóssil vivente”. Cuvier contornou esse argumento ao utilizar nos seus trabalhos espécies animais que, caso vivas atualmente, dificilmente não seriam notadas, como por exemplo as do grupo dos já mencionados proboscídeos.
Seis dias após a polêmica apresentação de seu trabalho com proboscídeos, Cuvier apresentou outro trabalho com uma espécie fóssil e que também teve muita repercussão. O autor francês analisou um esqueleto fóssil de uma espécie não identificada, montado em Madrid por Juan-Bautista Bru de Ramón (1740-1799). O material era proveniente da Argentina, embora no título de seu artigo, Cuvier classificou erroneamente como proveniente do Paraguai. Tal fato poderia ser interpretado como uma demonstração de como Cuvier não dava tanta relevância para o ambiente em que o animal vivia, tendo como foco de seu trabalho as características anatômicas.
Cuvier concluiu em sua análise que o fóssil representava uma espécie distinta de qualquer outra, seja fóssil ou vivente, a qual nomeou de Megatherium americanum. Este foi provavelmente o primeiro fóssil a receber uma denominação binomial lineana (gênero e espécie). Em uma versão do artigo publicado na revista Monthly Magazine, ainda no ano de 1796, foi adicionada a ilustração do esqueleto feita por Ramón em que mostrava o animal como um quadrúpede. Cuvier não faz referência alguma a esse aspecto no trabalho, mas relaciona o animal fóssil às preguiças atuais, as quais possuem um hábito de vida arborícola.
Era do conhecimento de Cuvier que a fim de analisar e comparar anatomicamente todas as espécies fósseis existentes, como era de sua ambição, seria necessária a criação de uma rede de compartilhamento de informações por seguidores de sua metodologia de pesquisa, que havia sido bem definida na sua obra Quadro elementar da história natural dos animais, de 1798, na qual descreve com detalhamento as leis da Anatomia Comparada, que lhe permitiam reconstruir os animais a partir de materiais fósseis incompletos.
Tendo ganhado notoriedade internacional com os diversos trabalhos publicados nos anos finais do século XVIII, e principalmente com a enorme circulação de seu livro, Cuvier ascendeu dentro da academia científica francesa, sendo nomeado para a cadeira de História Natural no Collége de France. Isto permitiu com que o autor divulgasse suas ideias para um público maior, culminando no seu apelo feito em uma sessão da Academia de Ciências em 1800 para a criação de uma comunidade científica que adotasse seus métodos de pesquisa com anatomia comparada, de modo a incorporar de vez os fósseis na ciência da Geologia. Cuvier desejava que tal comunidade lhe enviasse ilustrações de materiais de vários lugares do mundo para que ele pudesse descrevê-los e compará-los às espécies viventes e fósseis. Esse movimento contribuiu para a sistematização da paleontologia como um campo científico que agora possuiria uma metodologia, um paradigma e uma comunidade que o adotava.
Mas as contribuições de Cuvier foram ainda mais longe. No seu trabalho de 1808, com Brongniart, em que classificaram os estratos rochosos das formações dos arredores de Paris, o autor focou sua atenção para as sucessões faunísticas que se apresentavam. Em cada camada estratigráfica era possível observar determinadas espécies fósseis que desapareciam nos estratos superiores, onde novos grupos de seres apareciam. Alguns estratos mostravam claramente ambientes marinhos, com a presença de amonites e belemnites, ou mexilhões e ostras. Outros eram claramente terrestres e continham ossadas de grandes quadrúpedes. A esta mudança nos organismos encontrados em cada camada, Cuvier deu o nome de Sucessão Biótica. O francês também interpretou que os limites entre as camadas representavam eventos catastróficos, responsáveis por extinguir as formas anteriores e alterar o ambiente em que os estratos se formavam, de maneira súbita. Assim nascia a teoria de Cuvier que mais tarde ficaria conhecida como Catastrofismo, um conceito que, por mais impreciso que possa ser atualmente, estabelecia de vez a ideia da extinção de espécies inteiras, hoje fundamental para o estudo da paleobiologia.
Teorias Evolutivas e a Paleontologia
Nas primeiras décadas do século XIX o estudo dos fósseis se consolidava como a chave para o conhecimento da vida no passado geológico. A comunidade científica que se criou a partir dos discursos de Cuvier, se empenhava em comparar anatomicamente os animais atuais e fósseis com o foco de encontrar novas espécies extintas, diferentes de todos os seres viventes. As ideias do Catastrofismo pressupunham que os seres vivos eram imutáveis e que uma sucessão biótica ocorria quando uma catástrofe dizimava a fauna anterior, dando lugar aos seres do próximo momento geológico. Isto teria ocorrido até cerca de seis mil anos atrás, período da última catástrofe, cujos sobreviventes seriam os seres observados no presente.
Apesar de ser o paradigma da paleobiologia no século XIX, o fixismo (seres vivos imutáveis) de Cuvier não era aceito por todos os pesquisadores. Jean Baptiste de Lamarck (1744-1829) defendia um ponto diferente, uma ideia evolutiva. Em sua obra Philosophie Zoologique ou Filosofia Zoológica de 1809, Lamarck propôs que os seres progridiriam de forma gradual em direção a uma maior complexidade e perfeição. As mudanças nas plantas e animais se daria através da lei do uso e desuso, de modo que as estruturas sofreriam alterações morfológicas por serem ou não utilizadas e essas novas características são transmitidas para os seus descendentes.
Lamarck traz o exemplo das girafas para ilustrar sua teoria. Para ele, os ancestrais das girafas teriam pescoço curto e as patas traseiras e dianteiras com comprimento proporcional. Porém, eventualmente, precisaram alcançar folhas mais altas; as sucessivas tentativas teriam feito, então, com que o seu pescoço se alongasse e suas patas dianteiras ficassem maiores que as traseiras. Esses caracteres adquiridos por um indivíduo seriam transmitidos para seus descendentes.Este paradigma de mutabilidade das espécies ficou conhecida como Transformismo (em oposição ao Fixismo).
Cuvier e Lamarck discordavam em diversos pontos nas suas proposições. A ideia transformista para a explicação da sucessão biótica desafiava o conceito de organização que era a base da Anatomia Comparada. Para Cuvier, o nível de transformação na organização de um ser que era necessário para haver especiação não era possível de ser alcançado, pois inviabilizaria a própria organização. Seria, de acordo com o autor, reduzir a nada toda a História Natural. Por outro lado, Lamarck negava veementemente a possibilidade da extinção. Para ele os seres não eram extintos, apenas se transformavam. Nesse embate de ideias prevaleceram as proposições de Cuvier, de modo que o fixismo foi amplamente adotado em toda primeira metade do século XIX.
Mas foi através dos trabalhos de Charles Robert Darwin (1809-1882) que as teorias evolutivas ganharam força. Entre 1831 e 1836, Darwin esteve a bordo do navio do governo inglês H.M.S. Beagle, que tinha como principal objetivo a produção cartográfica da América do Sul. Na condição de naturalista, Charles Darwin pôde fazer as mais diversas observações da biodiversidade de lugares como as Ilhas Galápagos, a Patagônia e o Brasil. Seus registros da viagem foram publicados em um diário de bordo junto ao capitão do navio, Robert Fitzroy (1805-1865), em 1836, e em um volume separado em 1839.
Entre os materiais encontrados por Darwin durante a sua viagem estavam os fósseis. Em uma passagem de seu livro A Origem das Espécies, ele relata fósseis de um animal semelhante a um crocodilo, encontrados na terra avermelhada dos pampas argentinos, além de dentes de tubarão e conchas de espécies extintas localizadas na base de falésias. No território uruguaio, Darwin adquiriu um crânio quase completo de um grande mamífero fóssil, posteriormente descrito como Toxodon platensis.
As observações de Charles Darwin levaram-no a consideração de que os seres vivos se modificam com o tempo (transformismo), pensamento semelhante ao de Lamarck. Em 1838, teve contato com a obra de Thomas Robert Malthus (1765-1834) An Essay on the Principle of Population ou Um ensaio sobre o princípio da população, de 1803, que coloca que as populações humanas crescem em progressão geométrica, enquanto a oferta de alimentos cresce em proporção aritmética. Darwin não observou a veracidade desse conceito na natureza, entretanto. Existia certa constância no tamanho das populações de seres vivos, ao mesmo tempo em que era observada uma variabilidade entre os seres, inclusive em características essenciais para sua adaptação ao ambiente. Alguns indivíduos, por conta dessas características, morriam precocemente, enquanto outros tinham uma maior longevidade e conseguiam produzir descendentes férteis. O inglês concluiu então que deveria existir uma luta pela vida, onde os mais adaptados sobreviveriam e transmitiriam suas características vantajosas para os seus descendentes. Tal processo foi denominado de Seleção Natural, mecanismo base de sua teoria evolutiva.
Para a ocorrência das modificações nos seres propostas por Darwin, seria necessário um longo período de tempo e um ambiente relativamente calmo, livre de catástrofes. Daí suas ideias diferiam de vez do Catastrofismo de Cuvier e se assemelhavam mais às ideias de James Hutton e Charles Lyell (1797-1875). Desta forma, a modificação era direcional, lenta e gradual, ocorrendo através da seleção natural. Neste período, Darwin já se fundamentaria na ideia de uma Terra mais antiga do que se imaginava, com base nos primeiros estudos envolvendo a meia-vida de elementos radioativos.
Ao longo das décadas de 1840 e 1850, Darwin trabalhou na organização de sua teoria, tendo escrito um manuscrito de 35 páginas em 1842, ampliado para 230 páginas em 1844. Mas o naturalista inglês tinha receio de expor suas ideias publicamente. Em parte, esse receio pode ser explicado pelo evento da publicação da obra Vestiges of the Natural History of Creation ou Vestígios da História Natural da Criação, de 1844, publicada anonimamente pelo jornalista escocês Robert Chambers (1802-1871), que trazia premissas evolutivas baseadas nas ideias lamarckistas. O livro foi duramente criticado pelos cientistas da época, inclusive por Adam Sedgwick (1785-1873), mentor de Darwin em Cambridge. Aliado a isto estava o fato de que Darwin pretendia trazer concepções biológicas totalmente livres de conceitos religiosos, o que causaria comoção na comunidade científica e na sociedade em geral.
Em 1858, entretanto, Darwin recebeu um manuscrito que o incentivou a publicar suas ideias. Alfred Russel Wallace (1823-1913), um jovem naturalista inglês enviou-o seu trabalho On the tendency of varieties to depart indefinitely from the original type ou Da tendência das variedades de se afastarem indefinidamente do tipo original, onde descrevia o mesmo mecanismo da seleção natural, apesar de não ter utilizado o mesmo termo. Darwin impressionou-se com a semelhança das duas ideias, elaboradas independentemente. Seu trabalho, que vinha sendo organizado há quase 20 anos, possuía um embasamento maior, com mais exemplos e observações, mas Wallace merece o crédito de coautor da ideia da seleção natural.
Os dois apresentaram seus resultados de forma conjunta à Linnean Society ainda em 1858 sob o título de On the Tendency of Species to form Varieties; and on the Perpetuation of Varieties and Species by Natural Means of Selection ou Sobre a tendência das espécies em formar variedades e Sobre a perpetuação das variedades e espécies por meio da seleção natural. Em 1859, Darwin publicou seu trabalho completo, intitulado On the Origin of Species by Means of Natural Selection or the Preservation of Favoured Races in the Struggle for Life ou A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural ou a Preservação das Raças Favorecidas na Luta pela Vida, um dos trabalhos mais importantes e influentes da história da ciência.
Em seu livro, Darwin fornece o embasamento teórico para sua Teoria da Evolução por Seleção Natural, oferecendo diversos exemplos provenientes de sua experiência como naturalista durante várias décadas. Argumentos utilizados por Cuvier contra as ideias evolutivas de Lamarck, como a falta de espécies intermediárias no registro fossilífero, são respondidos; Darwin coloca que o registro fossilífero é imperfeito e a dinâmica geológica da Terra se encarregaria de apagar parte das formas intermediárias, registrando apenas alguns instantes da história.
Por mais revolucionárias que as ideias de Darwin fossem na época, sua aceitação não veio de imediato. O paradigma do fixismo de Cuvier estava bem estabelecido e os mecanismos para explicar a modificação das espécies não foram descobertos pelo naturalista inglês, tendo ele recorrido a ideias de Lamarck como o uso e desuso. Grandes paleontólogos do século XIX como Edward Drinker Cope (1840-1897), responsável por inúmeras descobertas fascinantes na Paleontologia de Vertebrados, contestavam sua teoria, preferindo adotar as ideias lamarckistas, em um movimento que ficou conhecido como neo-lamarckismo. O rival de Cope, Othniel Charles Marsh (1831-1899), igualmente brilhante no seu trabalho com paleovertebrados, foi, entretanto, um dos pioneiros em adotar as ideias evolucionistas de Darwin, que reconheceu as descobertas de Marsh como o melhor suporte para sua Teoria da Evolução, em uma carta enviada ao professor em 1880.
Foi no começo do século XX que a teoria de Darwin ganhou uma aliada importante: a genética. A divulgação dos trabalhos de Gregor Johann Mendel (1822-1884) em 1900, apresentados originalmente em 1865, trazia matematicamente o conceito da variação genética em populações com reprodução sexuada (neste caso, as famosas ervilhas, além de outras plantas). À luz dessa nova área das ciências biológicas a teoria de Darwin foi reinterpretada a partir de 1940 com os trabalhos de autores como Fisher, Simpson, Huxley e Dobzhansky, dando origem ao neodarwinismo ou a Teoria Sintética da Evolução, sustentada até hoje por inúmeros trabalhos de ecologia, genética, filogenia etc.
Da Caça aos Dinossauros ao Século XXI
É inegável que hoje a imagem da Paleontologia para a sociedade em geral está fortemente ligada aos dinossauros. Esses animais condensam aquilo que há de mais encantador na superfície da ciência paleontológica: são gigantes e misteriosos. Seus registros mais antigos datam de mais de 220 milhões de anos, mas sua aparição para os paleontólogos aconteceu relativamente tarde. A primeira publicação oficial de fósseis de um dinossauro data de 1824, com o Megalosaurus de William Buckland (1784-1856). Gideon Mantell (1790-1852) já havia encontrado em 1822 dentes que seriam publicados em 1825 sob o nome de Iguanodon. Mas esses animais só seriam conhecidos como “dinossauros” a partir de 1842, quando Richard Owen (1804-1892) cunhou o termo Dinosauria (cujo significado é “lagartos terríveis”).A descoberta de répteis gigantes rapidamente interessou os paleontólogos de todo o mundo, mas ganhou uma importância ainda maior nos Estados Unidos. O oeste estadunidense, ainda pouco explorado pelos não-nativos do continente, era uma oportunidade perfeita para aqueles que caçavam fósseis de dinossauros. Edward Cope e Othniel Marsh travaram uma verdadeira guerra na busca por descrever espécies novas de dinossauros gigantes, no que ficou conhecida como a “Guerra dos Ossos”, que gerou verdadeiras histórias de velho-oeste, com incursões nas terras áridas de Montana, sabotagens e conflitos com povos originários.
Durante o século XIX os museus de história natural se consolidaram como o grande destino dos materiais fósseis coletados. Marsh enriqueceu muito a coleção do Peabody Museum of Natural History da universidade de Yale (em New Haven). Henry Fairfield Osborn (1857-1935), o paleontólogo que com a ajuda de Barnum Brown (1873-1963) descreveu o Tyrannosaurus rex, possivelmente o fóssil mais famoso da história, ajudou a alavancar as pesquisas paleontológicas do American Museum of Natural History, em Nova Iorque.
Os dinossauros também ganharam espaço na cultura popular no início do século XX com a obra de sucesso do escocês Arthur Conan Doyle, intitulada O Mundo Perdido (1912), onde descreve a incursão do professor Challenger às misteriosas terras da América do Sul, que preservaram a biodiversidade do passado geológico, promovendo aventuras com pterodáctilos e alossauros. O sucesso dos dinossauros no entretenimento aumentaria com a adaptação cinematográfica de O Mundo Perdido em 1925, o clássico King Kong de 1933 e principalmente o icônico Jurassic Park de 1993 (baseado no livro de mesmo nome de 1989), que trouxe os grandes répteis à vida na tela do cinema e influenciou uma geração inteira de paleontólogos com seus modelos animatrônicos encarnando uma nova versão destes animais. Com esta franquia, popularizaram-se as ideias de Robert Bakker (1945), quem questionou a visão dos dinossauros como répteis obsoletos e revolucionando a paleontologia de vertebrados e renovando o interesse popular na paleontologia em um movimento conhecido como o Renascimento dos Dinossauros (Dinosaur Renaissance).
A paleontologia se desenvolveu fortemente durante o século XX, estruturando-se cada vez mais como uma ciência independente. Seu objeto de estudo tornou-se cada vez mais amplo e os estudos cada vez mais específicos, abarcando desde grandes vertebrados até microfósseis. Áreas como tafonomia, paleoicnologia e micropaleontologia ganharam cada vez mais espaço e o ensino da paleontologia nas universidades se espalhou por todos os continentes. Técnicas modernas, como a datação radiométrica das rochas, proporcionaram dados mais precisos sobre a idade das rochas e fósseis, revolucionando o conhecimento estratigráfico da Terra.
Atualmente, a Paleontologia é uma ciência sólida, que atrai um grande número de estudantes em todo o mundo. Com a facilidade na divulgação das pesquisas, o conhecimento paleontológico tem caráter mais universal, e a reconstrução da história da vida na Terra se torna cada vez mais completa. Novas técnicas laboratoriais como a tomografia computadorizada, as análises químicas e a paleohistologia vêm permitindo interpretações cada vez mais precisas dos fósseis. O futuro dessa ciência que, tão competentemente remonta nosso passado, parece ser, de fato, muito promissor!

Perguntas Sem Resposta – Se Deus Existe Porque ele Permite o Sofrimento e a Desgraça Humana?


No meio do caos desse mundo é difícil acreditar que existe Deus. Assistimos a guerra, fome, miséria e a violência todos os dias, e sabemos que isso assusta, não é mesmo? Por isso só nos resta falar de esperança, afinal ela é a última que morre.
Na bíblia existem diversas passagens que abordam a questão da prosperidade dos maus e do sofrimento dos justos. Aliás, nela há até um livro em que seu personagem principal é descrito como alguém “íntegro e reto, temente a Deus e que se desviava do mal” (Jó 1:1), mas que ainda assim sofreu muito, um exemplo nada animador, mas se lendo o livro todo vemos que seria esse sofrimento uma tentação do “diabo” para que Jó perdesse a fé e blasfemasse.
Na filosofia esse tema também despertou interesses. O polímata (indivíduo que conhece ou estuda muitas ciências) e filósofo alemão, G. W. Leibniz, a partir de 1710, escreveu seus “Ensaios sobre Teodiceia, sobre a Bondade de Deus, a Liberdade do Homem e a Origem do Mal”, e sob a ótica racionalista do pensamento filosófico tentou desvendar alguns dos mistérios do Criador.
Mais um grande pensador a se debruçar sobre o tema foi C. S. Lewis. Na obra “O problema do sofrimento” (1940) ele aborda temas como a onipotência divina, a bondade divina, a maldade humana, a queda do homem, o sofrimento humano, tudo com a intenção de trazer um pouco de alento para essa tão antiga questão.
Um livro mais atual e de grande repercussão sobre o assunto é “Quando Coisas Ruins Acontecem às Pessoas Boas” (1981), do Rabino Harold Kushner, que parte da premissa (que, data vênia, reputo falsa) de que Deus não é onipotente. Ele tenta nos dar conforto com o fato de que o Criador nos dá força para enfrentar qualquer situação. Na obra “Se Deus é bom, porque o mundo é tão ruim?”. O autor parte da ideia de que não podemos simplificar o assunto, reduzindo-o a apenas uma ou outra resposta. Mas devemos analisar o sofrimento sob diversos prismas, para, quem sabe, chegarmos a compreensão do porquê aquilo está acontecendo.
O rabino começa a jornada em busca de respostas para questionamentos tão profundos explicando que diante do sofrimento devemos ter basicamente duas posturas.

Se é outra pessoa quem está sofrendo, não devemos julgar ou tampouco apontar erros, mas agir com compaixão e dar-lhe o benefício da dúvida, porque talvez aquela dor não tenha haver com qualquer transgressão que tenha praticado, mas seja por outra razões que só o Criador conhece.
Por outro lado, se somos nós mesmos quem sofremos, devemos agir com introspecção e avaliar sincera e intimamente nossas atitudes, estilo de vida, forma de pensar, de crer, enfim, tudo em nós precisa passar por uma auto-reflexão a fim de procurar porque estamos passando por aquilo.
As ações, nós escolhemos; as consequências, são automáticas
Ao criar o homem, Deus teria estabelecido que ele teria livre-arbítrio e para que esse atributo fosse respeitado resolveu não interferir em nossas escolhas e ações. A partir de então, é como se Ele “pairasse” sobre os homens, procurando apenas influenciá-los para que hajam em conformidade com Seus mandamentos. Contudo, a decisão é sempre do homem.
Só Ele conhece o todo e a verdade sobre cada um de nós
Quando vemos coisas ruins acontecendo a pessoas que acreditamos ser “boas”, ou também o inverso, isto é, coisas “boas” em favor de pessoas “ruins”, devemos nos precaver em julgar aquilo que aparentemente está acontecendo.
Apenas e tão somente Deus sabe quem é realmente bom e quem é verdadeiramente mal. Nós julgamos segundo as aparências, enquanto Ele (só Ele) conhece as verdadeiras intenções dos corações. Às vezes temos certeza de que determinada pessoa é boa e é temente a Deus, entretanto, ninguém pode estar completamente seguro acerca daquilo que ela faz quando está sozinha, quando não está sendo observada, ou mesmo que tipo de pensamentos e também de sentimentos alimenta em seu interior.
Por outro lado, também devemos considerar que um determinado acontecimento que parece ser ruim, as vezes não é. Nossa visão é demasiadamente limitada e só Ele, que conhece o todo, tanto o pretérito como o porvir, tem condições de fazer essa avaliação.
Frequentemente, alguns fatos que inicialmente parecem ser muito ruins, ao longo dos anos demonstram que não poderia ter ocorrido algo melhor. Além do mais, também existem acontecimentos que só na Eternidade compreenderemos.
Na maioria das filisofias acredita – se que este mundo é apenas uma temporada para decidir como será a morada eterna.
No Judaísmo por exemplo, Antes de virmos ao este mundo, somos todos espíritos juntos ao Pai. Porém, mesmo estando num lugar pleno, ansiamos por descer a este mundo a fim de praticar boas obras (afastando-nos do mal e fazendo o bem, segundo os parâmetros dos Mandamentos Divinos), para consequentemente acumular mérito (galardão) e, assim, efetivamente merecer um local e uma posição no Reino Celestial. O problema é que quando chega neste plano terreno a maioria simplesmente desperdiça a grande oportunidade da existência terrena e passa a dedicar muito tempo a coisas que não possuirão valor real quando tiver as obras (atitudes) julgadas.
A morte como decreto divino
Algumas vezes, a morte ocorre simplesmente porque a pessoa já cumpriu aquilo que veio fazer. Até pode ser que ela tinha um propósito que em nada se relacionava com sua própria vinda, pois tinha como função influenciar outras pessoas, os familiares, uma comunidade etc.
Também pode ser que Deus tenha recolhido a pessoa por misericórdia dela mesma, uma vez que, antevendo o futuro, sabe que no exercício de seu livre arbítrio o caminho que ela está trilhando a levará lugares muito ruins. Relata-se, inclusive, que Enoque foi levado justamente por isso, porque sua geração estava tão corrupta que até ele acabaria pecando.
Outras vezes, uma inocente vida é prematuramente ceifada não por um decreto de Deus, mas pela maldade ou até mesmo simples imprudência do próprio homem, o que não significa, entretanto, que deixará de haver justiça.
Enfim, a morte ainda pode ser o alívio para um sofrimento.
Envelhecimento, dor e doença
Segundo o modo de pensar habitual do ocidente, a velhice, a dor e a doença são maldições e não deveriam existir. Entretanto, a partir das concepções judaicas, o rabino Benjamin Blech apresenta uma visão bastante diferente e ensina que essas três condições da vida humana são “presentes” de Deus em resposta a orações feitas pelos três patriarcas: Abraão, Isaac e Jacó.
Para melhor compreender o que será explicado, importante saber que os sábios do Talmud ensinam um princípio segundo o qual a primeira aparição de algo na bíblia é de suma importância. Significa que antes de ser relatado na bíblia aquilo não acontecia anteriormente. Por isso, analisar as circunstâncias da primeira vez que algo é descrito, é de grande importância.
Segundo contam esses sábios, Abraão pediu a Deus que Ele distinguisse os homens maduros dos jovens, para que as pessoas soubessem a quem deveriam render mais honras (lembremos: na cultura oriental pensam bem diferente de na ocidental). Abraão não pediu as doenças e as limitações da velhice, mas apenas os sinais exteriores que demonstrassem que a pessoa está amadurecendo. Então, Ele percebeu que era algo bom e concedeu, a começar por Abraão.
Até Isaac, todo sofrimento descrito na bíblia acontecia como alguma punição, sendo apenas a partir dele que isso mudou. Contam os sábios que Isaac pediu a Deus que houvesse sofrimento porque como todos somos imperfeitos, teríamos muitas “contas para acertar” no Mundo Vindouro, então, se pudéssemos ir adiantando os pagamentos aqui neste mundo, isso reduziria o tormento ao qual seremos submetidos na Eternidade. Diante disso, Isaac foi o primeiro que passou por isso, ao ficar cego.
Jacó questionou com Deus o fato de que as pessoas morriam de modo súbito, sem tempo de despedirem-se de suas famílias, de pedirem perdão, de consertarem algumas coisas que pudessem estar pendentes. Deus concordou com o pedido e Jacó foi o primeiro a sofrer com uma doença que logo o levaria à morte.
Assim, tanto a velhice como a doença terminal servem para que tenhamos a consciência de que nosso tempo nesta jornada terrena está acabando e para que nos preparemos para o encontro com o Eterno, que avaliará cada uma de nossas atitudes, pensamentos, palavras e motivações.
A meu ver, essas explicações acerca da velhice e da doença que anuncia a morte são razoáveis. Entretanto, talvez nossa maior dificuldade seja compreender a função do sofrimento humano, especialmente quando nos parece imotivado e injusto.
Porque o sofrimento?
Não foi à toa que o imperador romano, Júlio Cesar, certa vez disse que “é mais fácil encontrar homens que irão se voluntariar para morrer, do que encontrar aqueles dispostos a suportar a dor com paciência”.
Até mesmo no âmbito dos processos judiciais a distinção do sofrimento e da morte se percebem. Muitos juízes atribuem maior indenização para as vítimas de lesões permanentes do que para os herdeiros que perdem um ente querido, exatamente com a ideia de que a dor permanente é pior que a morte. Nietzsche afirmava que “o que realmente eleva a indignação de uma pessoa em relação ao sofrimento não é o sofrimento em si, mas sua falta de sentido”. Conhecendo a razão ou o propósito, podemos suportar quase qualquer dor.
Diante do sofrimento aparentemente sem causa, muitos questionamentos surgem, especialmente com relação a presença de Deus durante todo o tempo de dor, sua onipotência, sua bondade, sua justiça. Enfim, num mundo governado por um Deus bom, justo e todo-poderoso não faz sentido uma pessoa inocente sofrer.
O sofrimento pode ter sido enviado por Deus não como uma punição, mas apenas e tão somente como uma lição que Ele entende necessário que passemos em nossa existência terrena. Nunca sabemos os infinitos desdobramentos que cada situação pode causar, por isso jamais devemos julga-lo ou acusá-lo de injusto.
Então, precisaríamos confiar que em algum momento todas as equações farão sentido e que compreenderemos como Ele cuidou de cada detalhe, em que pese isso ser muito difícil de entender quando estamos atravessando a fase de angústia, especialmente diante de alguns sofrimentos que quase não conseguimos suporta como, por exemplo, um filho pequeno com uma doença grave e incurável.Apesar de Deus ser onisciente, Ele não cria a realidade, apenas a prevê. A realidade é criada a partir das atitudes decorrentes de nossas escolhas, segundo nosso livre-arbítrio.
Por isso, mesmo o Eterno sabendo que somos capazes de suportar determinada situação e sermos aprovados (isto é, sem murmurar etc.), é necessário que isso se torne realidade. Ou seja, precisamos de fato enfrentar aquilo, pois somente após vencermos ou perdermos é que teremos isso creditado ou debitado em nossa “conta”.
Deus tinha grandes coisas para fazer com Abraão. Ele sabia se tratar de um homem de fé. Mesmo assim Abraão precisou passar por vários testes, para que aquilo que já se sabia de antemão, pois já estava “escrito”, efetivamente se tornasse realidade. Além do mais, tudo contribuiu para forjar seu caráter.
“Quando a pessoa não consegue ler os sinais que Deus nos deixa ao longo de nossa jornada, para que nos voltemos a Ele e aos seus Mandamentos, pode acontecer de ser absolutamente necessário uma dose de sofrimento para que haja despertamento e mudança de rumo de vida. Nesses casos, diz-se que a pessoa buscou a Deus “pela dor”. Nas palavras do rabino Benjamin Blech:
“Então o sofrimento – de acordo com esta ideia, que é somente uma de várias abordagens que devemos ter em mente – cumpre esse papel. Ele serve como uma vivência educativa enviada por Deus para trazer a pessoa de volta para uma realidade com a qual ela perdeu contato quando as coisas iam bem demais.”
Ainda pode ser que determinada situação de dor esteja ocorrendo para haver pagamento por um pecado cometido, isto é, uma expiação. É fato que todos somos pecadores e que nenhum homem consegue viver em absoluta santidade. Por isso, sempre há transgressões a serem acertadas e vale recordar que pecado não prescreve. Inclusive, quando ocorre algo ruim, alguns judeus têm o hábito de pronunciar a expressão ídiche: Que isso seja por expiação! (“Oy, zol zein a capure!”). É quase uma forma de agradecimento porque poderia ter ocorrido algo pior. Sem dúvida, é uma demonstração de rendição à soberania absoluta do Eterno.
É somente o Criador, em seu absoluto poder, quem sabe se algo precisa ser resolvido logo ou se convém esperar para o Mundo Vindouro.
Aqui vale um parênteses: da mesma forma que ninguém é completamente santo, tampouco existe alguém totalmente mal. Até nas mais desprezíveis pessoas, há algum traço de bondade, seja quando está num ambiente diferente, com outras pessoas, ou mesmo quando está absorto em seus pensamentos.
Por outro lado, como ninguém é absolutamente bom, as pessoas boas padecem temporariamente aqui neste mundo por causa de suas transgressões, ainda que poucas, porém lhes estão reservadas infindáveis recompensas no Mundo Eterno.
Óbvio que não são más todas as pessoas que desfrutam de bençãos neste mundo, pois esse princípio de intercâmbio comporta exceções.
O filósofo judeu Maimônides faz uma interessante abordagem sobre isso. Ele usa como base a passagem de Deuteronômio 11:13-14 e explica que as pessoas boas que são prósperas não estão recebendo “recompensa” propriamente dita, mas apenas “sustento”, “provisão”, “semente”, porque Deus percebe nelas um “parceiro” confiável para Seus propósitos. A “recompensa” pelas boas obras continua guardada para a Eternidade.
☻ Nota
Explanações desse artigo baseadas na obra do Rabino Benjamim Blech são ilustrativas e não necessariamente são a opinião do autor do Mega Arquivo

Próximas Missões Espaciais


Nos próximos meses, poderemos acompanhar o lançamento da primeira missão do programa Artemis, o primeiro teste de voo orbital do veículo Starship da SpaceX, e um robô europeu sendo enviado com destino a Marte. Mas a agenda espacial do ano tem muito mais!
No fim do ano passado, a NASA identificou alguns problemas nos motores do foguete Space Launch System (SLS) após instalar a cápsula Orion em seu topo. Como resultado, a agência espacial decidiu adiar o lançamento da missão Artemis I, a primeira do foguete e do programa Artemis. Antes destas anomalias, a estimativa era que o lançamento aconteceria em fevereiro de 2022, mas acabou adiado para março — ou depois.
Atualmente, o SLS está passando por testes no Kennedy Space Center. Se tudo correr bem nos procedimentos, haverá um novo teste para abastecer os tanques do foguete com propelente, como em um “ensaio” para o lançamento. Tudo dando certo, aí sim poderemos aguardar a divulgação de uma data exata para o lançamento e retorno da Artemis I.
Esta será a primeira missão não tripulada do programa, que visa levar novos astronautas à superfície lunar em 2025. Durante a missão, a cápsula Orion será lançada pelo SLS para orbitar a Lua sem ter astronautas a bordo, e deverá retornar à Terra após passar de quatro a seis semanas no espaço.
Outras missões lunares
Além da NASA, há uma série de agências espaciais planejando o envio de missões para a Lua. Uma delas é a JAXA, a agência espacial japonesa, que lançará o lander Smart Lander for Investigating the Moon (SLIM), uma demonstração de tecnologia para aprimorar a precisão de pousos. Esta será a primeira missão lunar lançada pela terra do Sol nascente e, durante a viagem, o país lançará a X-ray Imaging and Spectroscopy Mission, uma missão conjunta da JAXA e NASA.
No fim do ano, haverá também a missão lunar Rashid, dos Emirados Árabes, que irá “de carona” junto do rover Hakuto-R, construído pela japonesa ispace. Já a ISRO, a agência espacial indiana, tentará um pouso lunar com a missão Chandrayaan 3, uma combinação de orbitador, lander e rover que teve lançamento adiado pela pandemia do coronavírus. Por fim, a Roscosmos, agência espacial da Rússia, planeja lançar a missão Luna 25 para pousar na cratera Boguslavsky, localizada no polo sul lunar. A Luna 25 deverá ser lançada em julho.
Vale lembrar também os pousos de missões lunares comerciais, realizadas através do programa Commercial Lunar Payload Services Program (CLPS). Uma delas é o módulo lunar Nova C, da Intuitive Machines, que deverá levar cinco cargas úteis da NASA à superfície lunar em abril, com a missão IM 1. Já a Astrobotic deverá lançar seu lander Peregrine, também com destino ao nosso satélite natural, no meio do ano.
Primeiro teste de voo orbital do Starship
A SpaceX vem se preparando há alguns meses para um teste de voo orbital com o sistema Starship, formado pelo veículo homônimo e pelo propulsor Super Heavy. Elon Musk, CEO da empresa, havia comentado a possibilidade de o voo acontecer acontecer em novembro de 2021, prazo que acabou não se concretizando; depois, a SpaceX estimou que o lançamento aconteceria entre janeiro e fevereiro de 2022.
Independentemente das estimativas (sejam elas realistas ou não) feitas pela empresa, o maior problema é que a data não depende somente da SpaceX: para o voo, eles ainda precisam aguardar a conclusão de uma avaliação ambiental da Federal Aviation Administration (FAA), a agência regulatória de voos nos Estados Unidos, que não deverá ficar pronta até o fim de fevereiro. Por isso, ainda teremos que esperar mais um pouco até a SpaceX poder realizar o lançamento — o que talvez aconteça em março, logo após o fim da avaliação.
Quando tiver autorização para o voo, o Starship será lançado sem tripulação de Boca Chica, no sul do Texas. O veículo seguirá para completar uma volta ao redor da Terra e, ao fim do voo, retornará para uma reentrada controlada para pousar no Oceano Pacífico. No futuro, a SpaceX planeja usar o Starship para levar pessoas e cargas à órbita terrestre e destinos distantes, como a Lua, Marte e além.
Astronautas privados na ISS pela Axiom Space
Foi durante o primeiro semestre de 2021 que a NASA e a empresa Axiom Space reafirmaram o compromisso para realizar, juntas, a primeira missão privada de astronautas na Estação Espacial Internacional (ISS). A missão Axiom Mission 1 (Ax-1) será lançada com um foguete Falcon 9 rumo à ISS, sendo a primeira missão espacial realizada sem o apoio de agências espaciais estatais.
A Ax-1 está programada para ser lançada em fevereiro, levando os tripulantes Larry Connor, Mark Pathy e Eytan Stibbe junto de Michael López-Alegría, ex-astronauta da NASA. Eles vão viajar a bordo da cápsula Crew Dragon, também da SpaceX, e deverão ficar a bordo do laboratório orbital durante oito dias. Três dos membros da missão desembolsaram US$ 55 milhões para a viagem.
Já a Ax-2 contará com o comando de Peggy Whitson, astronauta veterana e uma das mais experientes da NASA. É possível que esta missão também seja lançada neste ano.
Primeiros lançamentos dos foguetes Vulcan Centaur e New Glenn
A United Launch Alliance (ULA) vem trabalhando no foguete Vulcan Centaur, o sucessor dos veículos Atlas V e Delta IV. A ideia era que o lançamento do Vulcan Centaur acontecesse em 2021, mas acabou adiado para 2022 em função de problemas na cadeia de produção do lander Peregrine, que levará o rover japonês Yaoki e cápsulas com porções simbólicas de restos mortais como um memorial, levando também as cinzas do escritor Arthur C. Clarke.
Já a Blue Origin, empresa de Jeff Bezos, também sofreu com mudanças em seu cronograma e espera lançar o foguete New Glenn pela primeira vez até o fim do ano. O veículo leva o nome do astronauta John Glenn, do programa Mercury, e poderá enviar até 14 toneladas de cargas úteis à órbita geoestacionária.
O New Glenn é parcialmente reutilizável e fará parte da frota de veículos de lançamentos comerciais da NASA. Em julho, foi revelado que a Blue Origin estava fazendo mudanças no projeto do foguete, para que o estágio superior fosse reutilizável. Assim, a empresa de Bezos ficaria mais competitiva no mercado de foguetes reutlizáveis, dominado pela SpaceX.
O novo teste de voo da cápsula Starliner
O segundo teste de voo da cápsula Starliner, da Boeing, ficou para este ano. Após alguns “sustos” com a missão Starliner Orbital Test Flight-1 (OFT-1) em 2019, a empresa lançaria a cápsula novamente em 2021, com destino à Estação Espacial Internacional. O lançamento aconteceria em agosto, mas os técnicos da Boeing identificaram anomalias nas válvulas da cápsula na véspera do lançamento.Como resultado, a missão foi adiada.
Desde então, a empresa vem investigando o problema e buscando soluções para poder, enfim, lançar a Starliner. Mesmo sem ter uma data exata definida, a Boeing estima que a janela para uma nova tentativa de lançamento poderá se abrir em maio; contudo, vale destacar que este prazo depende do ritmo das modificações necessárias na cápsula.
Além disso, será preciso verificar também a programação dos demais veículos que estarão na estação no momento, já que a Starliner precisará de uma porta livre para se acoplar. Se a nave passar em seu teste de voo não tripulado, será o momento de a Boeing realizar uma missão tripulada com destino à ISS. Enquanto isso, dois astronautas que voariam a bordo da nave foram escalados para ir à ISS com a missão Crew-5, em parcia com a SpaceX.
A chegada da missão DART ao asteroide Dimorphos
Em novembro, a NASA lançou a missão Double Asteroid Redirection Test (DART) com destino a Didymos, um sistema binário de asteroides composto por um corpo maior de mesmo nome e um menor chamado Dimorphos. É o objeto menor que receberá a visita da DART para testar a técnica de “impacto cinético”. Trata-se de um método em que a nave é usada para colidir contra a rocha desejada para, assim, tentar mudar sua órbita.
Dependendo de como se sair no mundo real, poderá ser uma opção valiosa para a defesa planetária. A viagem é longa, e a DART deverá alcançar o sistema entre setembro e outubro. Quando estiver lá, ela se chocará contra Dimorphos à velocidade de 6,6 km/s para tentar alterar sua velocidade orbital. Esta será a primeira missão de defesa planetária para testar métodos de desvio de asteroides.
Depois, em 2024, será a vez de a Agência Espacial Europeia (ESA) lançar a missão Hera, com destino ao sistema de asteorides para verificar os resultados do impacto. Ela poderá também ajudar os astrônoms a descobrirem mais sobre a dupla de rochas espaciais.
Lançamento da missão Psyche
Entre julho e agosto, um foguete Falcon Heavy, da SpaceX, será lançado levando a missão Psyche, da NASA, com destino ao asteroide 16 Psyche. Trata-se de um asteroide metálico que orbita o Sol entre Sol e Júpiter, que parece ser o núcleo de um antigo planeta, descrição questionada por um estudo recente. Por outro lado, se este realmente for o caso, o objeto seria, portanto, uma “lembrança” do período de formação do Sistema Solar.
Assim, estudá-lo é uma forma de descobrir mais sobre a formação de planetas rochosos e da nossa vizinhança. A missão Psyche deverá chegar à rocha cerca de quatro anos depois, e deverá passar 21 meses mapeando sua órbita e estudando suas propriedades através de fotografias, análises de composição, coleta de medidas de sua estrutura interior e do campo magnético.
Uma nova missão para Marte
Após o lançamento das missões da NASA, Emirados Árabes e China com destino a Marte, chegou o momento da Agência Espacial Europeia e Roscosmos fazerem o mesmo com a missão ExoMars, que tem lançamento programado para acontecer entre agosto e outubro. Trata-se de uma empreitada conjunta, que levará o rover Rosalind Franklin para procurar moléculas orgânicas e estudar as profundezas do planeta.
O rover é, na verdade, a segunda parte do programa ExoMars — a primeira envolveu o orbitador Trace Gas Orbiter e o lander Schiaparelli. Embora este tenha sido destruído ao tentar pousar, a TGO continua em excelentes condições, e irá dar apoio à comunicação do rover. Se tudo correr bem, o Rosalind Franklin pousará na superfície de Marte em 2023.
Tentativa de extrair água da Lua
A NASA fechou uma parceria com a empresa Intuitive Machines para a missão Polar Resources Ice Mining Experiment-1 (PRIME-1), que levará um robô equipado com uma broca para perfurar o gelo do polo sul. O instrumento será usado para extrair gelo de água do interior do nosso satélite natural, um recurso que a agência espacial precisará usar para levar astronautas à Lua novamente e estabelecer a presença humana sustentável por lá.
A Intuitive Machines lançará a PRIME-1 com o lander NOVA-C, parte do programa Commercial Lunar Payload Services, da NASA. O lançamento estava programado para acontecer no fim do ano passado, mas a SpaceX, a responsável pelo lançamento, decidiu adiá-lo para o início de 2022.
Avanços na nova estação espacial da China
Foi no ano passado que a China lançou o módulo Tianhe, o central da estação espacial Tiangong 3. Neste ano, o país deverá acrescentar os módulos Mengtian e Wentian, voltados para a realização de experimentos científicos em áreas diversas, como biotecnologia, física, microgravidade, entre outras. Quando estiver concluída, a Tiangong 3 terá instalações menores e mais leves que a Estação Espacial Internacional.
A China espera enviar trios de astronautas para lá continuamente por pelo menos uma década. Atualmente, as novas instalações contam com os astronautas da segunda missão chinesa realizada por lá, sendo que a primeira aconteceu entre junho e setembro do ano passado.
É certo que, em meio às tarefas que os taikonautas terão que cumprir, estão serviços de manutenção no telescópio espacial Xuntian. O instrumento será lançado em 2024, e terá um espelho com campo de visão 300 vezes mais amplo que aquele do telescópio Hubble.
O início das atividades do telescópio James Webb
Após décadas de desenvolvimento somadas a atrasos, o telescópio James Webb foi lançado no dia 25 de dezembro. Agora, ele segue viagem ao seu destino a 1,5 milhão de quilômetros da Terra, e terá que executar várias sequências delicadas de liberação de seus instrumentos, seguidas de testes para garantir que tudo está funcionando bem. Por isso, ainda deve demorar alguns meses até o Webb começar suas atividades.
Assim, a NASA espera que as operações científicas do novo observatório comecem somente no fim do verão deste ano nos Estados Unidos. Mesmo assim, valerá a pena esperar apenas um pouquinho mais: afinal, este é o maior e mais poderoso telescópio de ciência espacial já criado e lançado ao espaço, que poderá estudar as primeiras estrelas e galáxias do universo, exoplanetas e muito mais ao longo dos próximos anos.
De 2023 em diante
Embora ainda estejamos no início de 2022, já há bons motivos para ter expectativas para 2023. No ano que vem, a ESA planeja lançar a missão Jupiter Icy Moons Explorer (JUICE), que irá explorar Ganimedes, Calisto e Europa, as três maiores luas de Júpiter. Além disso, haverá também o pouso da ExoMars e o retorno das amostras do asteroide Bennu, coletadas pela sonda OSIRIS-REx em 2020.

Viagem no Tempo e Universos Paralelos


Se você voltasse no tempo para impedir o nascimento dos seus avós – vamos ignorar o ‘porquê’ aqui, por uma questão de argumento – você nunca teria nascido.
Esses tipos de paradoxos de quebrar o cérebro sempre nos intrigou, inspirando histórias que vão de “De volta ao futuro” a “Máquina do tempo”.
Agora, a New Scientist relata que os físicos Barak Shoshany e Jacob Hauser do Instituto Perimeter no Canadá encontraram uma solução aparente para esses tipos de paradoxos que exigem um número muito grande – mas não necessariamente infinito – de universos paralelos.
Eles enviaram um artigo de sua pesquisa para o arquivo de pré-impressão arXiv no mês passado. Ele descreve um modelo no qual uma pessoa poderia viajar teoricamente de uma linha do tempo para outra, atravessando um buraco no espaço-tempo, de uma maneira que eles afirmam ser “matematicamente possível”.
“A abordagem de universos paralelos que sugerimos diz que existem universos paralelos diferentes em que as coisas são praticamente as mesmas e cada um deles é matematicamente em uma variedade de espaço-tempo separada”, disse Shoshany à New Scientist . “Você pode ir entre essas variedades quando viaja no tempo.”
Várias linhas do tempo permitiriam que você viajasse para uma linha do tempo diferente e matasse seus avós sem causar um paradoxo. Mas o número de linhas do tempo não precisa ser infinito para que isso funcione, calcularam os pesquisadores.
O modelo tem uma grande desvantagem, pelo menos para fins narrativos: viajar no tempo não fará nenhum bem para sua própria linha do tempo.
“O que significa viajar no tempo aqui é entrar entre essas histórias – isso é ainda mais esquisito”, disse à New Scientist o astrofísico e especialista em matéria escura Geraint Lewis, da Universidade de Sydney, que não participou da pesquisa .
“Em algum nível, nem parece mais uma viagem no tempo, porque qual é o sentido de voltar e matar Hitler se a segunda guerra mundial ainda ocorrer no universo em que você está?”

A Telepatia


Quantas vezes você pensou em alguém e, no momento seguinte, atendeu um telefonema dessa pessoa? Ou recebeu a visita de um familiar querido e distante, depois de desejar notícias dele?
Relatos desse tipo são impressionantes, mas não provam nada. Não há como descartar a possibilidade de que tudo não passe de coincidência. Afinal, para cada história arrepiante como essas, quantas não devem haver de pessoas que tiveram um pressentimento e aquilo não deu em nada? O único jeito de comprovar a existência da telepatia seria ter resultados estatisticamente significantes de que esses fenômenos acontecem com mais freqüência do que seria normal um fato qualquer acontecer. E esses resultados ainda não existem – pelo menos não com a clareza suficiente para afastar dúvidas.
Telepatia é o termo usado para se referir à aquisição de informações por outros meios que não os sentidos físicos conhecidos. A resistência em procurar entender tais acontecimentos ou acreditar neles é grande, mas fácil de ser compreendida. “Entrar em contato com os pensamentos, sentimentos e idéias de outras pessoas de maneira aparentemente direta, mente–mente, sem necessidade que tais informações passem pelos sentidos, é considerado algo fora do normal, por se tratar de um tipo de interação diferente da forma prevista pela ciência”, diz Wellington Zangari, coordenador do Inter Psi (Grupo de Estudos de Semiótica, Interconectividade e Consciência), da PUC de São Paulo.
E, como tudo o que é fora do normal caminha lado a lado com o ceticismo, parece não ter mesmo jeito: “Se você acredita, poderá ser associado ao charlatanismo, misticismo, ou ser visto como alguém facilmente influenciável. Se não, será suspeito de cientificismo ateu, de não possuir nenhuma abertura, nenhuma curiosidade científica”, diz Jean Claude Obry, pesquisador e filósofo francês que mora no Brasil há cerca de 20 anos. Ele é presidente da beOne Internacional Associação (BIA), que promove a qualidade de vida por meio da experimentação das sensações (os cinco sentidos). Segundo Obry, se os assuntos considerados fora da normalidade pudessem se encaixar na realidade cotidiana, eles não pareceriam tão assustadores. “Para permitir que o fora do normal se transfira para dentro dessa realidade, é preciso aceitar e mudar conceitos, regras e crenças que gerenciam o dia-a-dia. Se não fizermos essa mudança, nada será feito além de um debate agradável, mas estéril”, diz Obry.
Pode-se entender por telepatia várias formas de comunicação, da linguagem não-verbal, não-simbólica, não-escrita e não-fonética dos animais à realizada com o telefone celular. Ou alguém duvida que essa comunicação a distância, sem fio, não seria considerada algo fora do normal pelos nossos ancestrais? “Os jovens de hoje não estranham a tecnologia com a qual convivem desde pequenos, mas continuam fascinados pelos mistérios de histórias fora do normal de um Harry Potter, porque, para ele telefonar para alguém com segurança, nem precisa de um celular, basta a sua operadora celeste”, lembra Obry.

Ondas mentais
De acordo com Zangari, do Inter Psi, apesar de não haver consenso sobre a melhor teoria para explicar a telepatia, a parapsicologia vem apresentado interpretações interessantes. “Nas primeiras décadas de estudo, procurou-se compreender a telepatia como um fenômeno eletromagnético, que funcionaria da mesma forma que os aparelhos de rádio e televisão. Supunha-se que, entre o receptor e o emissor, haveria ‘ondas mentais’, que transportariam informações do conteúdo cerebral entre eles. No entanto, as teorias baseadas nesse modelo caíram por terra porque, aparentemente, a telepatia não é limitada pela distância nem pelas barreiras físicas, como o são as ondas eletromagnéticas conhecidas.” Conforme Zangari, outras teorias vieram à tona mais tarde, visando reconhecer mais o “porquê” do que “como” ocorre o fenômeno.

As pesquisas sobre a possibilidade da existência da telepatia se tornaram sistemáticas a partir da década de 30, com a criação do Instituto de Parapsicologia na Universidde Duke, nos Estados Unidos, dirigido pelo Joseph Banks Rhine. “Rhine e sua equipe realizaram provas experimentais para verificar se, de fato, a telepatia, entre outros fenômenos anômalos, ocorria”, conta Zangari. Com um baralho especialmente criado para essa finalidade – o Baralho ESP (de extrasensory perception) ou Baralho Zener (assim chamado por causa de Carl Zener, especialista em percepção humana que o projetou), constituído de 25 cartas, igualmente divididas em círculos, cruzes, ondas, quadrados e estrelas –, ele avaliou estatisticamente a ocorrência. “Ao longo de quase cinco décadas, Rhine e seus colaboradores obtiveram resultados significativos a favor da hipótese da telepatia”, afirma Zangari.
Depois disso, pesquisadores do mundo inteiro fizeram outros estudos e muitos chegaram a resultados similares, mesmo com técnicas diferentes das usadas no laboratório de parapsicologia da Universidade Duke. Acontece que os céticos descartam essas pesquisas, que eles consideram suspeitas. Um dos modelos atualmente em construção é o desenvolvido pelo psicólogo americano Rex Stanford, o Modelo de Resposta Instrumental Mediada por Psi, conhecido pela sigla em inglês, PMIR. Propõe, em linhas gerais, que o ser humano utiliza não apenas os sentidos conhecidos (tato, visão…) para estabelecer contato com o meio, mas também processos não-sensoriais, ou extra-sensoriais, para reconhecer tanto os perigos quanto as fontes de satisfação de necessidades básicas. “O modelo de Stanford é importante para a ciência, porque permite a avaliação empírica de seus postulados, além de integrar tanto perspectivas da biologia quanto da psicologia”, diz Zangari.
Até agora, a técnica mais sofisticada criada para estudar cientificamente a hipótese da telepatia se chama Ganzfeld (palavra em alemão que significa “campo completo” ou “campo homogêneo”). O experimento utiliza um emissor e um receptor. O primeiro vê uma imagem ou videoclipe, escolhido aleatoriamente por um computador, e tenta “transmiti-lo” mentalmente a um receptor, que está afastado sensorialmente do emissor. O receptor fica numa sala acústica e eletromagneticamente isolada e tem sobre os olhos uma espécie de óculos, sobre os quais uma luz colorida fornece um campo sensorial homogêneo. Seus ouvidos são bombardeados por um sinal sonoro constante, como o de um rádio fora da estação. Procura-se, assim, criar uma situação em que a pessoa possa reconhecer mais facilmente suas imagens mentais, suas sensações, seus sentimentos, uma vez que está praticamente isolada dos estímulos externos e mais atenta aos estímulos internos.
Segundo Zangari, os resultados mais sólidos obtidos pelas pesquisas Ganzfeld se relacionam à existência de correlações entre algumas variáveis. Resumidamente, os resultados são melhores quando: 1) emissor e receptor são pessoas afetivamente próximas, como amigos, pais e filhos ou marido e mulher; 2) o receptor tem personalidade extrovertida; 3) antes de participar do experimento, o receptor teve um histórico de experiências anômalas espontâneas; 4) o receptor já realiza algum tipo de atividade de “treinamento mental”, como meditação ou relaxamento; 5) o receptor acredita em fenômenos como a percepção extra-sensorial; e 6) o campo geomagnético está menos ativo.
Segundo Zangari, há muito o que esclarecer ainda sobre os experimentos Ganzfeld. “Apesar de reconhecermos algumas variáveis que parecem interferir no fenômeno, não conhecemos todas, o que ainda não nos permite controlar o fenômeno de modo a realizá-lo de acordo com nossa vontade”, diz.
Um tanto quanto cética com relação ao seu desempenho num experimento desse tipo, a professora Fátima Regina Cardoso, que dirige com Zangari o Inter Psi, decidiu participar de uma sessão de Ganzfeld durante um curso promovido pelo Centro de Pesquisa Rhine, em Durham, nos Estados Unidos, em 1993. O resultado, diz ela, foi “muito bom e surpreendente”. Fátima ficou na posição de receptora da mensagem, enquanto um colega brasileiro foi o emissor. Durante o período de mentalização, entre outras imagens, ela visualizou um castelo medieval, em especial as masmorras. Teve sensações desagradáveis, como se estivesse vendo pessoas sofrendo. Ao final do experimento, acertou o alvo transmitido pelo colega. O clipe que serviu como alvo mostrava sombras de pessoas vestidas com roupas medievais, um homem com capa e espada e um chicote na mão, ameaçando outros que trabalhavam com martelos e outras ferramentas, com um fundo em cores bem quentes. Apesar de a imagem do alvo ter sido diferente da mentalizada por Fátima, ela não teve dúvida de que aquele seria o alvo, pois a sensação transmitida pelo clipe era muito próxima daquela sentida durante a mentalização.
As pesquisas Ganzfeld foram iniciadas na década de 1970 e, até o momento, segundo alguns, tiveram êxito em demonstrar, pelo menos, a possibilidade de existência da telepatia. No entanto, como não poderia deixar de ser, crentes e céticos divergem a respeito da consistência desses resultados. “Minha opinião é que mais pesquisas são necessárias para acabar com a polêmica em torno da existência da telepatia, mas os resultados acumulados por meio de estudos experimentais são favoráveis à hipótese de existência de um processo anômalo de interação entre os seres humanos”, diz Zangari.

Troca de energia
Para a escritora Halu Gamashi, a comunicação telepática envolve também os órgãos dos sentidos
A escritora baiana Halu Gamashi, que se dedica à filosofia e à ciência dos ancestrais, acredita que existam muitas formas de comunicação telepática, envolvendo inclusive os órgãos dos sentidos. Para ela, a telepatia se constitui entre duas pessoas extra-sensorialmente sensíveis que aprendem a identificar uma informação por meio de um trejeito facial, um movimento dos olhos, um gesto. “Eu sei o que você está pensando”, dizem-se mutuamente. No entanto, por ser um acontecimento comum, as pessoas nem se dão conta de que houve uma comunicação telepática.
Certa vez, ao dar uma palestra em São Paulo, Halu notou um dos convidados, um suíço que não falava português e estava com uma pessoa que não falava alemão. Ao final da palestra, Halu propôs um momento para perguntas e respostas, e esse suíço e sua acompanhante não encontravam no dicionário a tradução para formular a pergunta. “A angústia dele em me perguntar mobilizou a minha sensibilidade. Senti uma espécie de dilatação na minha mente e vi-me dizendo para a moça: peça a ele que olhe para os meus olhos e faça a pergunta mentalmente, eu vou responder da mesma forma. Vi-me tocando as suas mãos. Nos olhamos profundamente e conversamos por meio da mão e da mente, por aproximadamente cinco minutos”, conta Halu. “No dia seguinte, voltamos a nos encontrar e, dessa vez, ele estava com uma pessoa que falava português e alemão. Rimos muito. Para ele, foi uma experiência nova. Nos emocionamos bastante.”

Projeções – Imortalidade em 2050?


O cientista Dr. Ian Pearson acredita que, se você tem menos de quarenta anos hoje, provavelmente só morrerá se pegar alguma doença bastante séria. Caso contrário, acredita ele, a ciência já terá descoberto formas de prolongar indefinidamente a vida antes que você fique velho demais.
Preocupação máxima dos egípcios antigos, dos alquimistas e de boa parte das civilizações, a imortalidade sempre esteve entre os desejos mais megalomaníacos da humanidade. E o Dr. Pearson acredita que até 2050 essa demanda será totalmente suprida pelo avanço da ciência. Será?
Não sabemos se estamos presenciando as últimas gerações que morrerão de velhice, mas sabemos que as pesquisas científicas estão batalhando para deixar a morte se tornar opcional ao invés de inevitável.
Renovação de partes do corpo
Não adianta nada viver para sempre tendo de encarar as dificuldades de um corpo decrépito, não é mesmo? É por isso que cientistas ao redor de todo o mundo estudam técnicas de renovação de tecidos, órgãos e até mesmo sistemas inteiros dentro dos organismos. A forma mais avançada de se conseguir esse feito é através da engenharia genética.
Além disso, também há estudos para que se construam órgãos funcionais completamente inorgânicos, que podem substituir os órgãos originais em caso de falhas.
Viver dentro do corpo de um ciborgue ou androide
Mais fácil do que manter a carcaça corpórea funcional é eliminar o problema orgânico e transferir a sua consciência para um corpo robótico.
Isso significa que seu corpo orgânico pode morrer a vontade, mas um backup da sua mente será mantido na nuvem e carregado num corpo inorgânico para a sua comodidade. Mais ou menos como vimos em Transcendence: A Revolução.
O mais legal desse modelo de imortalidade é a eliminação da necessidade de se alimentar, dormir, escovar os dentes ou mesmo ir ao banheiro. O mais chato é a certeza de que pessoas com mais dinheiro que a gente monopolizarão os corpos inorgânicos com design mais bonito.
Viver num mundo virtual após sua morte orgânica
Como o episódio San Junipero, de Black Mirror, uma das possibilidades para se alcançar a tão sonhada imortalidade pode ser manter sua mente vivendo em uma simulação de mundo completamente virtual. E, claro, esse mundo poderia ser desenvolvido de forma personalizada para tornar realidade qualquer noção que você possa ter de paraíso.
Seja comendo um banquete ao lado de Jesus, reencontrando um amor perdido ou mesmo recebendo as 72 virgens que te foram prometidas em vida, você poderia viver para sempre em um mundo feito especialmente para você.

Imortalidade

Medicina – Avanços ou Retrocesso?


Pasteur disse que a sorte só favorece as mentes preparadas (le hasard ne favorise que les esprits préparés).
Talvez seja por isso que quando, ao voltar das férias, Alexander Fleming descobriu que um fungo havia contaminado seu cultivo de estafilococos, ele não se conformou simplesmente.
Em vez de jogá-los no lixo, ele observou que, perto do fungo, as colônias de estafilococos haviam morrido.
Essa observação levou à descoberta da penicilina, que deu início à era dos antibióticos.
E posso dizer que aqueles que vivem nesta era são privilegiados na história da nossa espécie.
Os antibióticos são substâncias com a extraordinária capacidade de matar bactérias sem fazer mal ao paciente infectado.
São provavelmente, junto com as vacinas, um dos avanços científicos mais importantes da medicina.

Cosmos


E assim, do nada, nosso universo começa.
Numa única pulsação ofuscante, um momento de glória por demais rápido e expansivo para ser descrito em palavras, a singularidade assume dimensões celestiais, um espaço inconcebível. No primeiro segundo dinâmico (um segundo ao qual muitos cosmologistas dedicarão suas carreiras tentando descrevê-los em detalhes crescentes) são produzidas a gravidade e outras forças que governam a física. Em menos de um minuto, o universo possui 1,6 milhão de bilhões de quilômetros de diâmetro e cresce a grande velocidade. Existe muito calor agora, 10 bilhões de graus, o suficiente para iniciar as reações nuclearem que criam os elementos mais leves – principalmente hidrogênio de hélio, com uma pitada (cerca de um átomo em 100 milhões) de lítio. Em três minutos, 98% de toda a
matéria existente ou que virá a existir foi produzida. Temos um universo. É um lugar da mais espantosa e gratificante possibilidade, e bonito também. E foi tudo produzido mais ou menos no tempo que se leva para preparar um sanduíche.
Quando ocorreu esse momento é objeto de discussão. Os cosmologistas há bastante tempo vêm discutindo se o momento da criação foi há 10 bilhões de anos, duas vezes essa cifra, ou um valor intermediário. O consenso parece estar se formando em torno de uns 13,7 bilhões de anos,
mas essas coisas são notoriamente difíceis de medir, como veremos adiante. Tudo que se pode realmente dizer é que, em certo ponto indeterminado num passado bem remoto, por razões desconhecidas, surgiu o momento conhecido na ciência como t = 0.
Estavamos a caminho.
Claro que existe muita coisa que não sabemos, e muito do que julgamos saber são descobertas recentes, inclusive a noção do big-bang. A ideia vinha pipocando desde a década de 1920, quando foi originalmente proposta por Georges Lemître, um sacerdote e sábio belga, mas só se tornou uma noção ativa na cosmologia em meados da década de 1960, quando dois jovens radio-astrônomos fizeram uma descoberta extraordinária e involuntária.
Seus nomes eram Arno Penzias e Robert Wilson. Em 1965, eles estavam tentando usar uma grande antena de comunicações de propriedade da Bell Laboratories, em Holmdel, Nova Jersey, mas foram incomodados por um ruído de fundo persistente – um zumbido constante e agitado que impossibilitava qualquer trabalho experimental. O ruído era incessante e disperso. Vinha de todos os pontos do céu, dia e noite, em todas as estações do ano. Durante um ano, os jovens astrônomos fizeram tudo que lhes ocorreu para localizar e eliminá-lo. Testaram todos os sistemas elétricos.
Remontaram instrumentos, verificaram circuitos, sacudiram fios, removeram a poeira de plugues.
Subiram até a antena e colocaram fita vedante em cada junção e rebite. Voltaram a subir à antena, com vassouras e escovões, e removeram cuidadosamente o que descreveram num artigo posterior como “material dielétrico branco”, ou o que se conhece mais comumente como titica de pássaro.
Nada do que funcionou.

Astrofísica


Prêmio Nobel de física em 1978. Os pesquisadores de Princenton obtiveram apenas manifestações de apoio. De acordo com Dennis Overbye, em Lonely hearts of the cosmos [Corações solitários do cosmo], nem Penzias nem Wilson entenderam a importância de sua descoberta até lerem a respeito no New York Times.
Aliás, a perturbação da radiação cósmica de fundo é algo que todos já experimentamos. Sintonize sua televisão em qualquer canal que ela não receba. Cerca de 1% da estática saltitante que você vê resulta desse remanescente antigo do big-bang.
Da próxima vez que reclamar que não tem nada naquele canal, lembre-se de que você pode sempre assistir ao nascimento do universo.
Embora todos o chamem de big-bang (grande explosão), muitos livros advertem para que não o
imaginemos como uma explosão no sentido convencional. Tratou-se, na verdade, de uma vasta e súbita expansão numa escala colossal. Mas o que causou aquilo?
Uma ideia é que talvez a singularidade fosse a relíquia de um universo anterior, colapsado – que somos apenas um em um ciclo eterno de universos em expansão e colapso, como a bexiga de uma
máquina de produção de oxigênio. Outros atribuem o big-bang ao que denominam “um falso vácuo”
ou “um campo escalar” ou “energia do vácuo” – alguma qualidade ou coisa que introduziu uma medida de instabilidade no nada anterior. Parece impossível que se possa obter algo do nada, mas o fato de que antes não havia nada e agora existe um universo é uma prova evidente de que é possível.
Pode ser que nosso universo faça meramente parte de muitos universos maiores, alguns em dimensões diferentes, e que big-bangs estejam acontecendo o tempo todo, em todos os lugares. Ou pode ser que espaço e tempo tivessem outras formas antes do big-bang – formas diferentes demais para imaginarmos – e que esse evento represente alguma espécie de fase de transição, na qual o universo passou de uma forma que não conseguimos entender para outra que quase entendemos. “isto está muito próximo das indagações religiosas”, disse o dr. Andrei Linde, um cosmologista da Universidade de Stanford, ao New York Times em 2001.
A teoria do big-bang não trata do próprio bang, mas do que aconteceu depois dele. Não muito tempo depois, veja bem. Com muitos cálculos matemáticos e observando cuidadosamente o que acontece nos aceleradores de partículas, os cientistas acreditam que possam retroceder a 10-43 de segundo após o momento da criação, quando o universo ainda era tão pequeno que seria preciso um microscópio para encontrá-lo. Não precisamos desmaiar ante cada número extraordinário com que deparamos, mas talvez valha a pena citar um deles de tempo em tempo apenas para lembrar sua extensão inapreensível e espantosa. Desse modo, 10-43 é
0,00000000000000000000000000000000000000000001, ou seja, um décimo milionésimo de trilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de segundo. Quase tudo que sabemos, ou acreditamos saber, sobre os primeiros momentos do universo devemos a uma ideia denominada teoria da inflação, proposta originalmente em 1979 por um jovem físico das
partículas, então em Stanford, agora no MIT, chamado Alan Guth. Ele tinha 32 anos e, como o próprio Guth admitiu, não fizera nada antes.
De acordo com a teoria de Guth, a um décimo milionésimo de trilionésimo de trilionésimo de trilionésimo de segundo, surgiu a gravidade. Após outro intervalo ridiculamente breve, surgiram-se o eletromagnetismo e as nucleares forte e fraca – o material da física. Estes foram seguidos, um
instante depois, por enxames de partículas elementares – o material da matéria. Do absolutamente nada, de repente havia enxames de fótons, prótons, elétrons, nêutrons e muito mais – entre 1079 e
1089 de cada, de acordo com a teoria padrão do big-bang.
Claro que tais quantidades são inconcebíveis. Basta saber que, num único instante extraordinário, fomos dotados de um universo vasto – pelo menos, 100 bilhões de anos-luz de diâmetro, de acordo com a teoria, mas possivelmente qualquer tamanho ate o infinito – e perfeitamente disposto para a criação de estrelas, galáxias e outros sistemas complexos.
O que é extraordinário do nosso ponto de vista é quão bem isso tudo resultou para nós. Se o universo tivesse se formado só um pouquinho diferente – se a gravidade fosse uma fração mais forte ou mais
fraca, se a expansão tivesse prosseguido um pouquinho mais lenta ou mais rápida – talvez nunca houve elementos estáveis para constituir você, eu e o chão que pisamos. Se a gravidade fosse um bocadinho mais forte, o próprio universo poderia ter desmoronado como uma tenda mal montada,
sem os valores apropriados para dar-lhe as dimensões, a densidade e as partes componentes certas.
No entanto, se ela fosse mais fraca, nada teria se aglutinado. O universo teria permanecido para sempre um vazio sombrio e disperso.
Esse é um dos motivos pelos quais alguns especialistas acreditam que possa ter havido muitos outros big-bangs, talvez trilhões e trilhões deles, espalhados pela imensa extensão da eternidade, e que existimos neste big-bang específico porque ele é um daqueles em que pudemos existir. Como disse certa vez Edward P. Tryon, da Universidade Columbia: “Em resposta à pergunta sobre por que aquilo aconteceu, proponho modestamente que o nosso universo é apenas uma dessas coisas que acontecem de tempo em tempo”. Ao que acrescenta Guth: “Conquanto a criação de um universo possa bem ser improvável, Tryon enfatiza que ninguém ainda contou as tentativas fracassadas”.
Para nós, o universo vai apenas até o lugar para onde a luz se deslocou nos bilhões de anos desde a formação do universo. O universo visível – o universo que conhecemos e do qual podemos falar tem 1,6 milhão de milhões de milhões de milhões de quilômetros de diâmetro (ou seja, 1 600 000 000 000 000 000 000 000). Mas, de acordo com a maioria das teorias, o universo em geral – o metauniverso, como é às vezes chamados – é ainda mais espaçoso. Segundo Rees, o número de anos- luz até o limite desse universo maior, invisível, seria escrito com não “com dez zeros, nem mesmo com cem, mas com milhões”. Em suma, há mais espaço do que você possa imaginar, mesmo sem se dar ao trabalho de tentar imaginar algum espaço adicional além.
Durante muito tempo, a teoria do big-bang tinha uma grande lacuna que incomodava muita gente: ela não conseguia explicar como chegamos aqui. Conquanto 98% de toda matéria existente fosse criada
com o big-bang, essa matéria consistia exclusivamente em gases leves: hélio, hidrogênio e o lítio já mencionado. Nenhuma partícula do material pesado tão vital à nossa existência – carbono, nitrogênio, oxigênio e todo o resto – emergiu da mistura gasosa da criação. Mas – e é aqui que está o
problema –, para forjar esses elementos pesados, é preciso o tipo de calor e energia de um big-bang.
No entanto, houve apenas um big-bang, e ele não os produziu. Logo, de onde eles surgiram?
Curiosamente, o homem que encontrou a resposta para esta pergunta era um cosmologista que não dava a mínima para o big-bang como teoria. Ele cunhou este termo sarcasticamente, só de gozação.
Logo chegaremos a ele, mas antes de abordarmos a questão de como chegamos aqui, vale a pena gastar uns minutinhos para examinar onde exatamente fica o “aqui”.

Astronomia – Bem-vindo ao sistema solar


Astrônomos de hoje conseguem fazer coisas do arco da velha. Se alguém acendesse um fósforo na Lua, eles conseguiriam detectar a chama. Das mais ínfimas pulsações e estremecimentos das estrelas distantes, eles inferem o tamanho e o caráter, ou mesmo a habilidade potencial, de planetas remotos demais para serem vistos – planetas tão distantes que levaríamos meio milhão de anos numa nave espacial para chegar até eles. Com seus radiotelescópios, os astrônomos captam filetes de radiação tão absurdamente fracos que a quantidade total de energia coletada de fora do sistema solar por todos eles juntos, desde que começou a coleta (em 1951), é “inferior à energia de um só floco de neve atingindo o solo”, nas palavras de Carl Sagan.
m suma, não há muita coisa acontecendo no universo que os astrônomos não consigam detectar, se estiverem dispostos. Por isso, é estranho que até 1978 ninguém jamais tivesse observado que Plutão possui uma lua. No verão daquele ano, um astrônomo jovem chamado James Christy, do Observatório Naval dos Estados Unidos, em Flagstaff, Arizona, vinha realizando um exame de rotina nas imagens fotográficas de Plutão quando viu que havia algo ali – algo indistinto e incerto, mas definitivamente diferente de Plutão.
Consultando um colega chamado Robert Harrington, ele
concluiu que o que estava vendo era uma lua. E não era uma lua qualquer. Em relação ao planeta, era a maior lua do sistema solar. A descoberta foi um golpe no status de Plutão como planeta, que já não era grande coisa. Como antes se acreditava que o espaço ocupado pela lua e o espaço ocupado por Plutão fossem o mesmo, na verdade Plutão era bem menor que se imaginara – menor até que Mercúrio
De fato, sete luas do sistema solar, inclusive a nossa, são maiores. Alguns astrônomos continuam achando que pode haver um planeta X lá longe – um verdadeiro colosso, talvez com dez vezes o tamanho de Júpiter, mas tão distante que é invisível para nós (a luz solar recebida por ele seria tão pouca que quase nada restaria dela para ser refletida).
A ideia é que não se trataria de um planeta convencional como Júpiter ou Saturno. Ele está distante demais para isso, talvez a 7,2 trilhões de quilômetros. Seria mais como um sol que não deu certo. A maioria dos sistemas solares no cosmo é binária (com duas estrelas), o que torna o nosso Sol solitário uma leve excentricidade.
Quanto ao próprio Plutão, ninguém sabe ao certo seu tamanho, sua constituição, que tipo de atmosfera possui ou mesmo o que realmente ele é. Uma série de astrônomos acredita que não se trata de um planeta, mas meramente do maior objeto encontrado até agora numa zona de detritos galácticos conhecida como cinturão de Kuiper. O cinturão de Kuiper foi realmente teorizado por um astrônomo
chamado F. C. Leonard, em 1930, contudo o nome homenageia Gerard Kuiper, um holandês que trabalhava nos Estados Unidos e que desenvolveu a ideia.
O cinturão de Kuiper é a origem dos denominados cometas de períodos curtos – aqueles que passam por aqui com uma certa regularidade –, dos quais o mais famoso é o cometa de Halley. Os cometas dos períodos longos, menos assíduos
(entre eles, os recentes visitantes Hale-Bopp e Hyakutake), vêm da muito mais distante nuvem de Oort, sobre o qual logo falaremos mais.
Com certeza, Plutão não age como os demais planetas. Além de nanico e obscuro, seus movimentos são tão variáveis que ninguém sabe ao certo onde Plutão estará daqui a um século. Enquanto os outros planetas orbitam mais ou menos no mesmo plano, a trajetória orbital de Plutão é inclinada
(por assim dizer) e está dezessete graus desalinhada, como a aba de um chapéu inclinado de modo casual na cabeça de alguém. Sua órbita é tão irregular que, durante longos períodos de seus circuitos solitários ao redor do Sol, ele está mais perto de nós do que Netuno. Durante a maior parte das
décadas de 1980 e 1990, Netuno era o planeta mais afastado do sistema solar. Somente em 11 de fevereiro de 1999 Plutão retornou para a pista externa, onde permanecerá pelos próximos 228 anos.
Plutão pode até ser um planeta, mas um planeta estranho. É muito pequeno: apenas um quarto de 1% da massa da Terra. Se fosse colocado sobre os Estados Unidos, não cobriria sequer a metade dos 48 estados mais ao sul. Só isso já o torna extremamente anômalo. Significa que nosso sistema planetário consiste em quatro planetas internos rochosos, quatro gigantes externos gasosos e uma bola de gelo
minúscula e solitária. Além disso, há razões para acreditar que, em breve, podemos começar a descobrir outras esferas geladas até maiores na mesma porção do espaço. Aí, sim, teremos problemas. Depois que Christy avistou a lua de Plutão, os astrônomos passaram a observar aquela
parte do cosmo mais atentamente, e até o inicio de dezembro de 2002 haviam encontrado mais de seiscentos objetos transnetunianos adicionais, ou plutinos, como são alternativamente chamados.
Um deles, denominado Varuna, tem quase o tamanho da lua de Plutão. Os astrônomos acham que pode haver bilhões desses objetos. A dificuldade é que muitos são terrivelmente escuros. Em geral eles têm um albedo, ou reflexibilidade, de apenas 4%, quase o mesmo de um bloco de carvão – e o pior é que esses “blocos de carvão” estão a 6,4 bilhões de quilômetros de distância. Precisamos ter uma ideia da grandeza do espaço e da pequena parte que
ocupamos. Agora vem a má notícia: não vamos conseguir estar de volta para o jantar. Mesmo à velocidade da
luz (300 mil quilômetros por segundo), seriam necessárias sete horas para chegar a Plutão. Mas claro que não conseguimos sequer chegar perto desta velocidade. Teremos de viajar à velocidade de uma espaçonave, e elas são meio vagarosas. As melhores velocidades já alcançadas por qualquer artefato humano são as espaçonaves Voyager 1 e 2, que estão agora se afastando nós a cerca de 56 mil
quilômetros por hora.
A razão pela qual espaçonaves Voyager foram lançadas exatamente em agosto e setembro de 1977 foi que Júpiter, Saturno, Urano e Netuno estavam alinhados de uma forma que só ocorre a cada 175 anos. Isso permitiu às duas Voyagers usarem uma técnica de “ajuda da gravidade” em que as naves eram sucessivamente arremessadas de um grande gasoso para o próximo numa espécie de “trabalho sob chicote” cósmico. Mesmo assim, levaram nove anos para chegar a Urano e doze para transpor a órbita de Plutão. A boa noticia é que, se esperarmos até 2006 (quando a espaçonave New Horizons da NASA está programada partir rumo a Plutão), poderemos nos beneficiar da posição favorável de Júpiter, bem como de alguns avanços de tecnologia, e chegar lá em apenas uma década aproximadamente – embora eu tema que a volta ao leve um tempo bem maior. De qualquer modo, será uma longa viagem. A primeira coisa que você irá perceber é que o espaço é decepcionantemente monótono e que esse
nome, espaço, é apropriado. Nosso sistema solar pode ser a coisa mais animada num raio de trilhões de quilômetros, mas todo o material visível dentro dele – o Sol, os planetas e suas luas, os bilhões de rochas rotantes do cinturão de asteróides, cometas e outros detritos variados em deslocamento –
preenche menos de um trilionésimo do espaço disponível.
Você também logo perceberá que nenhum dos diagramas que você já viu do sistema solar foi desenhado em escala, ainda que remotamente. A maioria das ilustrações de sala de aula mostra os planetas um após o outro, com pequenos intervalos – os gigantes exteriores chegam a lançar sombras uns sobre os outros em muitos desenhos. Entretanto, esse é um engano necessário para que possam ser colocados na mesma folha de papel. Netuno não está só um tiquinho além de Júpiter: está muito além de Júpiter – cinco vezes mais
longe de Júpiter que do que Júpiter está de nós, tão longe que recebe somente 3% da luz solar recebida por Júpiter.
São tamanhas as distâncias que é impossível, em termos práticos, desenhar o sistema solar em escala. Mesmo que você acrescentasse uma enorme folha dobrável aos livros didáticos ou usasse um papelão grande, não chegaria nem perto. Num diagrama do sistema solar em escala, com a Terra reduzida ao diâmetro aproximado de uma ervilha, Júpiter estaria a mais de trezentos metros e Plutão estaria a 2,5 quilômetros de distância (e teria o tamanho aproximado de uma bactéria, de modo que você nem conseguiria vê-lo). Na mesma escala, a Próxima Centauro, a estrela mais próxima, estaria a quase 16 mil quilômetros de distância. Ainda que você encolhesse tudo até Júpiter ficar do tamanho
do ponto final da frase, e Plutão não maior que uma molécula, Plutão continuaria a mais de dez metros de distância.
Portanto, nosso sistema solar é enorme. Quando chegarmos a atingir Plutão, estaremos tão distantes do Sol – nosso querido e quentinho Sol, que nos mantém vivos e nos bronzeia a pele – terá encolhido até o tamanho de uma cabeça de alfinete. Ele não passará de uma estrela brilhante. Num tal ermo,você começa a entender como até os objetos mais importantes – a lua de Plutão, por exemplo –
passaram despercebidos. Quanto a isso, Plutão não é um caso isolado. Até as expedições das Voyagers, pensava-se que Netuno tinha duas luas; as Voyagers descobriram mais seis. Quando eu era menino, achava-se que o sistema solar continha trinta luas. O total agora soa “pelo menos noventa”,
das quais cerca de um terço foi descoberto somente nos últimos dez anos. É claro que o que deve ser lembrado quando consideramos o universo como um todo é que não sabemos realmente o que existe em nosso próprio sistema solar.

Conhecendo o Sistema Solar


Longe de marcar o limite exterior do sistema solar, como aqueles mapas de sala de aula dão a entender de modo tão descuidado, Plutão está a apenas 1/5 000 de distância.
Claro que não temos a menor perspectiva de uma tal viagem. Uma viagem de 386 mil quilômetros até a Lua ainda representa um enorme empreendimento para nós. Uma missão tripulada a Marte, preconizada pelo primeiro presidente Bush num surto de leviandade passageira, foi discretamente descartada quando alguém calculou que custaria 450 bilhões de dólares e provavelmente resultaria na morte de toda a tripulação (cujo DNA seria destroçado por partículas solares de alta energia contra as quais não haveria proteção). Com base no que sabemos agora e podemos razoavelmente imaginar, não há absolutamente nenhuma perspectiva de que qualquer ser humano chegue um dia a visitar o limite do nosso sistema solar. Fica longe demais. O fato é que, mesmo com o telescópio Hubble, nem sequer conseguimos ver a nuvem de Oort, de modo que sua existência, embora provável, é totalmente hipotética.* [O nome completo, nuvem de Öpik-Oort, deve-se ao astrônomo estoniano Ernst Öpik, que formulou a hipótese de sua existência em 1932, e ao astrônomo holandês Jan Oort, que refinou os cálculos dezoito anos depois.] Quase tudo que se pode dizer com segurança sobre a nuvem de Oort é que ela começa em algum ponto além de Plutão e se estende por um dois anos-luz cosmo afora. A unidade de medida básica do sistema solar é a Unidade Astronômica, ou UA, que representa a distância do Sol à Terra. Plutão fica a cerca de quarenta UAs de nós. Já o núcleo da nuvem de Oort, fica a cerca de 50 mil. Em suma, é superlonge.
Mas façamos de conta de chegamos à nuvem de Oort. A primeira coisa que você notará é que lá é muito calmo. Estamos bem longe de qualquer lugar agora – tão longe de nosso Sol que ele nem é a estrela mais brilhante do céu. É incrível que aquela cintilação minúscula e distante tenha gravidade suficiente para manter todos aqueles cometas em órbita. Não é um vinculo muito forte, por isso os cometas se deslocam devagar, a apenas uns 350 quilômetros por hora.
De tempos em tempos, alguns desses cometas solitários são desviados da órbita normal por alguma ligeira perturbação gravitacional – a morte de uma estrela, talvez. Às vezes, eles são ejetados no vazio do espaço, perdendo-se para sempre, mas em outras vezes caem numa longa órbita ao redor do Sol. Cerca de três ou quatro desses cometas – os chamados cometas de período longo – passam anualmente pelo sistema solar interno. Ocasionalmente, esses visitantes desgarrados colidem com algo sólido, como a Terra. Por isso viajamos para tão longe: porque o cometa que viemos ver começou uma longa quedo rumo ao centro do sistema solar. Ele vai cair bem no Rio de Janeiro.
Levará um bom tempo até que chegue lá – pelo menos 3 ou 4 milhões de anos –, de modo que o deixaremos por ora para retornarmos a ele bem mais à frente nesta história.
Ninguém sabe quantas estrelas existem na Via Láctea – e as estimativas variam de 100 bilhões a talvez 400 bilhões –, e a Via Láctea é apenas uma entre as cerca de 140 bilhões de outras galáxias, muitas delas maiores que as nossa. Na década de 1960, em professor de Cornell chamado Frank
Drake, empolgado com tais números assombrosos, elaborou uma equação famosa para calcular as chances de existência de vida avançada no cosmo, com base numa série de probabilidades decrescentes. Pela equação de Drake, divide-se o número de estrelas num trecho selecionado do universo pelo número de estrelas com probabilidade de possuírem sistemas planetários; divide-se o resultado pelo número de sistemas planetários que poderiam teoricamente conter vida; divide-se o número assim obtido pelo número daqueles em que a vida, tendo surgido, avança até um estado de inteligência assim por diante. A cada uma dessas divisões, o número cai vertiginosamente – no entanto, mesmo com os dados mais conservadores, o número de civilizações avançadas, somente na Via Láctea, sempre se situa na casa dos milhões. Que pensamento interessante e empolgante. Podemos ser apenas uma entre milhões de civilizações avançadas. Infelizmente, dada a extensão do espaço, calcula-se que a distância média entre quaisquer duas dessas civilizações é no mínimo de duzentos anos-luz, o que é bem mais do que parece. Para inicio de conversa, ainda que aqueles seres saibam que estamos aqui e consigam nos enxergar em seus telescópios, estão observando a luz que deixou a Terra duzentos anos atrás. Portanto, não estão vendo você e eu, eles estão vendo a revolução francesa e Thomas Jefferson e gente com meias de seda e perucas empoadas – gente que nem sequer sabe o que é um átomo ou um gene, e que acha divertido produzir eletricidade esfregando uma haste de âmbar numa pele de animal. Qualquer mensagem que recebermos deles nos tratará de “Vossa alteza” e elogiará a beleza de nossos cavalos e nosso domínio da tecnologia do óleo de baleia. Duzentos anos-luz é uma distância tão além de nossa compreensão que está, simplesmente, bem, muito além de nossa compreensão.
Portanto, ainda que não estejamos realmente sozinhos, para todos os fins práticos estamos. Carl Sagan calculou que o número de planetas prováveis em todo o universo seria de 10 bilhões de trilhões – um número muito além da imaginação. Mas igualmente além da imaginação é a quantidade de espaço no qual eles estão dispersos. “Se fôssemos inseridos aleatoriamente no universo”, escreveu Sagan, “as chances de estarmos num planeta ou perto de um deles seriam inferiores a uma em i bilhão de trilhões de trilhões” (isto é 1033, ou 1 seguido de 33 zeros). “os mundos são preciosos”.

Astronomia – O universo do reverendo Evans


Quando o céu está claro e a Lua não está brilhando demais, o reverendo Robert Evans, um homem tranquilo e animado, arrasta um volumoso telescópio pelo terraço dos fundos de sua casa, nos montes Blue da Austrália, uns oitenta quilômetros a oeste de Sidney, e faz uma coisa extraordinária Olha profundamente para o passado e encontra estrelas agonizantes. É claro que olhar para o passado é a parte fácil. Basta observar o céu noturno e você verá um monte
de história: as estrelas não são como agora, mas quando eram quando sua luz as deixou. Por tudo que sabemos, a Estrela Polar, nossa fiel companheira, pode ter se extinguido em janeiro passado, ou em 1854, ou em qualquer momento desde o século XIV, sem que esta noticia tenha chegado até nós. O máximo que podemos dizer é que ela continuava brilhando 680 anos atrás. As estrelas morrem o tempo todo. O que Bob Evans faz melhor do que qualquer pessoa que já tenha tentado é localizar esses momentos de despedida celeste.
De dia, Evans é um pastor gentil, e agora semi-aposentado, da Igreja Unitária da Austrália, que eventualmente substitui algum pastor e pesquisa a história dos movimentos religiosos do século XIX.
Mas de noite ele é, à sua maneira modesta, um titã dos céus. Ele caça supernovas.
Os supernovas ocorrem quando uma estrela gigante, bem maior que o nosso Sol, colapsa e depois explode espetacularmente, liberando num instante a energia de 100 bilhões de sóis e ardendo por um tempo com mais brilho do que qualquer outra estrela de sua galáxia.
“É como se 1 trilhão de bombas de hidrogênio explodissem ao mesmo tempo”, diz Evans.
Se uma supernova explodisse num raio de quinhentos anos-luz de distância de nós, seria o nosso fim, de acordo com Evans – “estragaria a festa”, como ele diz em tom jocoso. Mas o universo é vasto, e as supernovas costumam estar afastadas demais para nos prejudicar. Na verdade, algumas estão tão inimaginavelmente distantes que sua luz nos alcança como uma cintilação débil. Durante o período de mais ou menos um mês em que ficam visíveis, só se distinguem das outras estrelas no céu por ocupar um espaço que não estava preenchido antes. São esses pontinhos anômalos e muito ocasionais na abóboda apinhada do
céu noturno que o reverendo Evans descobre. Para entender a magnitude dessa façanha, imagine uma mesa de jantar comum, coberta com uma toalha preta. Alguém joga um punhado de sal sobre a mesa. Os grãos espalhados podem ser comparados a uma galáxia. Agora imagine outras 1500 mesas iguais – número suficiente para lotar um estacionamento do Wal-Mart ou para formar uma linha com mais de três quilômetros de comprimento –, cada qual com um arranjo aleatório de sal em cima. Agora acrescente um grão de sal a uma das mesas e deixe Bob Evans caminhar por entre elas. De relance ele o localizará. O grão de
sal é a supernova.

Estrelas


O termo supernova foi cunhado na década de 1930 por um astrofísico memoravelmente excêntrico chamado Fritz Zwicky. Nascido na Bulgária e criado na Suíça, na década de 1920 Zwicky foi para o California Institute of Technology (Caltech), onde logo se destacou pela personalidade áspera e pelos talentos inconstantes. Ele não parecia extraordinariamente brilhante, e muito dos seus colegas o consideravam pouco mais do que “um palhaço irritante”.
Adepto do culto ao corpo, ele costumava se deitar no chão do refeitório do Caltech ou de outras áreas publicas e fazer flexões com um braço para demonstrar sua virilidade a quem parecesse inclinado a duvidar dela. Era notadamente agressivo, comportamento que acabou se tornando tão ameaçador que seu colaborador mais próximo, um homem pacifico chamado Walter Baade, recusava-se a ser deixado a sós com ele. Entre outras coisas, Zwicky acusou Baade, que era alemão, de nazista – injustamente. Em pelo menos uma ocasião, Zwicky ameaçou matar Baade, que subia até o alto do Observatório do Monte Wilson quando via o colega no campus do Caltech.
Mas Zwicky também era capaz de insights surpreendentemente brilhantes. No inicio da década de 1930, ele voltou sua atenção para uma questão que vinha intrigando havia muito tempo os astrônomos: o surgimento no céu de pontos de luz, novas estrelas, ocasionais e nexplicados. Desafinado as probabilidades, ele imaginou que a explicação poderia estar no nêutron – a partícula subatômica que acabara de ser descoberta na Inglaterra por James Chadwick, portanto uma novidade badalada. Ocorreu-lhe que, se uma estrela colapsasse para a espécie de densidades encontradas no núcleo dos átomos, o resultado seria um núcleo inimaginavelmente compactado. Os átomos seriam literalmente comprimidos, com seus elétrons forçados para dentro dos núcleos, formando nêutrons. Teríamos uma estrela de nêutrons. Imagine 1 milhão de balas de canhão realmente pesadas espremidas até ficarem do tamanho de uma bola de gude e… bem, você ainda está longe. O núcleo de uma estrela de nêutrons é tão denso que uma única co0lherada de sua matéria pesaria 500 bilhões de quilos. Uma colherada de peso! Mas havia mais. Zwicky percebeu que, após o colapso de uma tal estrela, sobraria uma enorme quantidade de energia – suficiente para produzir a maior explosão do universo.
Ele chamou a essas explosões resultantes de supernovas. Elas seriam – são – os maiores eventos da criação.
Em 15 de janeiro de 1934, o periódico Physical Review publicou um resumo muito conciso de uma palestra que havia sido proferida por Zwicky e Baade no mês anterior na Universidade Stanford.
Apesar da extrema brevidade – um parágrafo de 24 linhas –, o resumo continha uma quantidade enorme de novidades científicas: fazia a primeira referência a supernovas e estrelas de nêutrons; dava uma explicação convincente para seu método de formação; calculava corretamente a escala de sua explosividade; e, como uma espécie de bônus, relacionava explosões de supernovas à produção de um fenômeno novo e misterioso, os chamados raios cósmicos, detectados pouco tempo antes pululando no universo. Essas ideias foram no mínimo revolucionarias. As estrelas de nêutrons só seriam confirmadas 34 anos depois. A ideia de raios cósmicos, embora considerada plausível, ainda não havia sido confirmada.
No todo, o resumo era, nas palavras do astrofísico Kip S.
Thorne, do Caltech, “um dos documentos mais visionários da história da física e da astronomia”.
Curiosamente, Zwicky não entendia muito bem porque esses fenômenos aconteciam. De acordo com Thorne, “ele não entendia as leis da física suficientemente bem para comprovar suas ideias”.
O talento de Zwicky era para as grandes ideias.
Somente cerca de 6 mil estrelas são visíveis da Terra a olho nu, e somente cerca de 2 mil podem ser vistas de um só lugar. Com binóculo, o número de estrelas visíveis de um só
lugar aumenta para umas 50 mil e, com um pequeno telescópio de duas polegadas, salta para 300 mil.
Com um telescópio de dezesseis polegadas, como aquele que Evans usa, já não se contam estrelas, e sim galáxias. De seu terraço, Evans supõe que consegue ver entre 50 mil e 100 mil galáxias, cada qual contendo dezenas de bilhões de estrelas. Trata-se de números respeitáveis, mas mesmo em meio a tamanha profusão de astros, as supernovas são raríssimas. Uma estrela pode brilhar por bilhões de anos, porém só morre uma vez e rapidamente, e poucas estrelas agonizantes explodem. A maioria expira calmamente, como uma fogueira de final de acampamento. Numa galáxia típica, constituída por centenas de bilhões de estrelas, uma supernova ocorrerá em média uma vez a cada duzentos ou trezentos anos. Encontrar uma supernova, portanto, é mais ou menos como estar na plataforma de observação do edifício Empire State percorrendo com um telescópio as janelas na área de Manhattan na esperança de encontrar, digamos, alguém assoprando as velinhas do bolo de seu 21o aniversário.
Por isso, quando um pastor esperançoso e afável entrou em contato, interessado em diagramas de campo utilizáveis na caça a supernovas, a comunidade astronômica pensou que ele estivesse maluco. Naquela época, Evans tinha um telescópio de dez polegadas – tamanho bem respeitável para um astrônomo amador, mas longe do tipo de instrumento usado em cosmologia séria – e estava se propondo a localizar um dos fenômenos mais raros do universo.
Em 1987, Saul Perlmutter, do Laboratório Lawrence Berkeley, na Califórnia, precisando de mais supernovas Ia do que aquelas detectadas visualmente, resolveu encontrar um método mais sistemático para procurá-las. Perlmutter concebeu um sistema atraente usando sofisticados computadores e dispositivos CCD – em essência, câmeras digitais de primeira. Isso automatizou a caça à supernovas.
Os telescópios podiam então tirar milhares de fotos e deixar um computador detectar os reveladores pontos brilhantes que assinalavam uma explosão de supernova. Em cinco anos, com a nova técnica, Perlmutter e seus colegas em Berkeley encontraram 42 supernovas. Agora, até amadores estão achando supernovas com esses dispositivos. “Com os CCDs, você pode apontar o telescópio para o céu e ir ver TV”, diz Evans com um toque de desalento. “Isso tirou todo o romantismo da busca”. Perguntei se ele se sentia tentado a adotar a nova tecnologia. “Ah, não”, Evans disse, “gosto demais do meu método. Além disso” – ele abanou a cabeça diante da foto de sua ultima supernova e sorriu –, “às vezes ainda consigo superá-los”.
A pergunta que ocorre naturalmente é: o que aconteceria se uma estrela explodisse por perto? Nosso vizinho estelar mais próximo como vimos, é Alfa Centauro, a 4,3 anos-luz de distância. Eu imaginara que, se houvesse uma explosão ali, teríamos 4,3 anos para observar a luz desse evento magnífico se propagar pelo céu, como que saída de uma lata gigante. Imagine se tivéssemos quatro anos e quatro meses para observar o desastre inexorável avançar até nós, sabendo que, quando enfim chegasse, ele destruiria até nossos ossos. As pessoas continuariam indo trabalhar? Os agricultores plantariam as sementes?Alguém levaria os produtos até as lojas?

O Tamanho Da Terra


Se você tivesse de escolher a viagem de campo científica menos aprazível de todos os tempos, não acharia melhor candidato que a expedição peruana da Academia Real Francesa de 1735. Liderada por um hidrologista chamado Pierre Bouguer e um soldado-matemático de nome Charles
Marie de La Condamine, um grupo de cientistas e ventureiros viajou ao Peru com o objetivo de triangular distâncias pelo Andes.
Na época, as pessoas haviam sido acometidas de um desejo poderoso de entender a Terra: saber sua idade, sua massa, onde se situava no espaço e como veio a existir. O intuito do grupo francês era ajudar a esclarecer a questão da circunferência do planeta, medindo o comprimento e um grau de meridiano (ou 1/360 da distância ao redor do planeta ao longo de uma linha que se estendia de Yarouqui, próximo de Quito, até logo depois de Cuenca, no atual Equador, uma distância de cerca de 320 quilômetros.*
A resposta está em parte no fato de que o cientistas do século XVIII, os franceses em particular, raramente faziam as coisas de forma simples e se houvesse uma alternativa complicada, e em parte num problema prático surgido com o astrônomo inglês Edmond Halley, muitos anos antes – bem antes de Bouguer e La Condamine sonharem em ir para a América do Sul ou chegarem a ter uma razão para isso.
Halley foi uma figura excepcional. No decorrer de uma carreira longa e produtiva, foi capitão de navio, cartógrafo, professor de geometria na Universidade de Oxford, vice-tesoureiro da Cada da Moeda Real, astrônomo real e inventor do sino de imersão.
Ele escreveu com autoridade sobre magnetismo, marés e os movimentos dos planetas e afetuosamente sobre os efeitos do ópio. Inventou o mapa do tempo e a tabela atuarial, propôs métodos para calcular a idade da Terra e a sua distância do Sol, chegou a conceber um método prático para manter frescos os peixes fora da estação. O interessante que a única coisa que ele não fez foi descobrir o cometa que leva seu nome. Ele apenas reconheceu que o cometa que viu em 1682 era o mesmo que outros haviam visto em 1456, 1531 e O cometa só recebeu o nome de Halley em 1758, dezesseis anos após sua morte. Apesar de todas as suas realizações, a maior contribuição de Halley para o conhecimento humano talvez tenha sido sua participação numa aposta científica modesta com dois outros luminares de sua época: Robert Hooke, atualmente mais lembrado como o primeiro a descrever uma célula, e o grande e altivo sir Christopher Wren, cuja principal atividade era a astronomia, a arquitetura vindo em segundo lugar, embora isso não costume ser lembrado hoje. Em 1683, Halley, Hooke e Wren estavam jantando em Londres quando a conversa voltou-se para os movimentos dos objetos celestes.
Sabia-se que os planetas tendiam a girar em um tipo específico de órbita oval conhecida como elipse – “uma curva muito específica e precisa”, para citar Richard Feynman mas não se sabia o porquê. Num rasgo de generosidade, Wren ofereceu um prêmio de quarenta xelins (o equivalente a algumas semanas de salário) àquele que fornecesse uma solução.
Hooke, que era conhecido por se apropriar das ideias dos outros, alegou que já havia resolvido o problema, mas que não revelaria a solução naquele momento sob o pretexto interessante e inventivo de que não queria privar os colegas da satisfação de descobri-la por si mesmos. Ele a “esconderia por algum tempo, para que os outros soubessem valorizá-la”. Se ele se aprofundou na questão, não deixou nenhum sinal disso. Já Halley ficou obcecado em encontrar a resposta, a ponto de, no ano seguinte, viajar a Cambridge e ousadamente procurar o professor lucasiano de matemática, Isaac Newton, na esperança de obter uma luz. Newton era uma figura decididamente estranha: brilhante além da conta, mas solitário, irritadiço no limiar da paranóia, famoso pela distração (depois de tirar os pés da cama ao acordar, diziam que às vezes ficava sentado durante horas, imobilizado por uma súbita irrupção de pensamentos) capaz das maiores loucuras. Ele construiu seu próprio laboratório, o primeiro de Cambridge, mas depois entregou-se aos experimentos mais estranhos. Certa vez, inseriu uma sovela – uma agulha comprida do tipo usado para costurar couro – na órbita do olho e esfregou-a “entre meu olho e o osso o mais
perto possível do fundo do olho” só para ver o que aconteceria. O que aconteceu, milagrosamente, foi nada – pelo menos nada de duradouro. Em outra ocasião ele olhou para o Sol o máximo que conseguiu aguentar, para ver como isso afetaria sua visão. De novo, escapou de danos duradouros,embora tivesse que passar alguns dias num aposento escuro até que seus olhos o perdoassem.
Acima dessas crenças estranhas e dessas esquisitices, brilhava a mente de um gênio supremo, se bem que, mesmo trabalhando em canais convencionais, ele costumava mostrar uma tendência a excentricidade. Quando estudante, frustrado pelas limitações da matemática convencional, inventou uma forma totalmente nova, o cálculo infinitesimal, no entanto, o manteve em segredo por 27 anos.
De modo semelhante, fez descobertas em óptica que transformaram nossa compreensão da luz e criaram a base da ciência da espectroscopia, mas de novo optou por não compartilhar os conhecimentos por três décadas.
Com todo o brilho de sua mente, a verdadeira ciência espertava apenas parte de seu interesse. Pelo menos metade de sua vida profissional, dedicou-se à alquimia e a pesquisas religiosas extravagantes. Não eram meros interesses superficiais, e sim devoções de corpo e alma. Ele era um
adepto secreto de uma seita perigosamente herética enominada arianismo, cuja principal doutrina era a negação da Santíssima Trindade (uma ironia, já que a faculdade de Newton em Cambridge era a Trinity – “Trindade” em inglês). Passava horas a fio estudando a planta do templo perdido do rei Salomão em Jerusalém (aprendendo sozinho hebraico para entender melhor os textos originais), na cresce de que ela continha pistas matemáticas das datas do segundo advento de Cristo e do fim do mundo. Sua dedicação à alquimia não era menos forte. Em 1936, o economista John Maynard Keynes adquiriu um baú de trabalhos de Newton num leilão e descobriu, espantado, que eles se ocupavam predominantemente, não da óptica ou dos movimentos planetários, mas da tentativa obsessiva de transformar metais vis em preciosos. Uma análise de um cacho de cabelo de Newton, na década de 1970, revelou a presença de mercúrio – um elemento que interessa aos alquimistas, chapeleiros e fabricantes de termômetros, e a quase mais ninguém – numa concentração quarenta vezes que o nível natural. Não é de espantar que ele tivesse dificuldades em se lembrar de levantar da cama de manhã.
As expectativas exatas de Halley naquela visita de surpresa são um mistério. Mas graças a um relato posterior de um confidente de Newton, Abraham DeMoivre, temos um registro de um dos encontros mais históricos da ciência: Em 1684 o dr. Halley veio em visita a Cambridge e, depois de algum tempo juntos, o doutor perguntou qual curva ele achava que seria descrita pelos planetas supondo-se que a força de atração do Sol fosso inversamente proporcional ao quadrado de suas distâncias em relação a ele.
Essa era uma referência a uma formulação matemática conhecida como lei do quadrado inverso, que Halley estava convencido de que era essencial à explicação, embora não soubesse exatamente quando.
O sr. Isaac respondeu imediatamente que seria uma elipse. O doutor, tomado de alegria e espanto, perguntou como ele sabia aquilo. “Ora”, respondeu ele, “eu calculei”, ao que o dr. Halley pediu o cálculo sem maiores delongas. O sr. Isaac procurou entre seus papeis e não conseguiu encontrar.
As leis de Newton explicavam tantas coisas – o sobe-e-desce das marés oceânicas, o movimento dos planetas, por que as balas de canhão percorrem uma trajetória específica antes de cair de volta para a terra, porque não somos atirados ao espaço enquanto o planeta gira ao nossos pés a centenas de quilômetros por hora* – que foi preciso algum tempo até que todas as implicações fossem assimiladas. Mas uma revelação gerou uma controvérsia quase instantânea.
[A velocidade em que você esta girando depende da sua localização. A velocidade da rotação da Terra varia de pouco mais de 1600 quilômetros por hora no equador a zero nos pólos. Em Londres, a velocidade é de 998 quilômetros por hora.]
Foi a ideia de que a Terra não é totalmente redonda. De acordo com a teoria de Newton, a força centrífuga da rotação da Terra resultaria num ligeiro achatamento dos pólos e numa saliência no equador, o que tornaria o planeta ligeiramente oblato. Isso faria com que o comprimento de um grau de meridiano não fosse o mesmo na Itália e na Escócia. Especificamente, o comprimento diminuiria com o afastamento dos pólos. Essa não era uma boa notícia para aqueles que baseavam suas medições na Terra no pressuposto de ela ser uma esfera perfeita, ou seja, todo mundo. Havia meio século, as pessoas vinham tentando calcular o tamanho da Terra, em geral fazendo medições muito árduas. Uma das primeiras tentativas foi a de um matemático inglês chamado Richard Norwood. Quando jovem, Norwood viajara para as Bermudas com um sino de imersão baseado no dispositivo de Halley, sonhando em fazer fortuna catando pérolas no fundo do mar. A ideia falhou porque não havia pérolas e, de qualquer modo, o sino não funcionou. Mas Norwood não costumava desperdiçar uma experiência. No início do século XVII, as Bermudas eram conhecidas entre os capitães de navios por serem difíceis de localizar. O problema era que o oceano era grande, as Bermudas eram pequenas e as ferramentas de navegação para lidar com essa disparidade eram totalmente inadequadas Não havia sequer um consenso quanto ao comprimento da milha náutica. Na extensão de um oceano, o menor erro de cálculo se ampliava, fazendo com que os navios muitas vezes não encontrassem alvos do tamanho das Bermudas por margens insignificantes. Norwood, cuja maior paixão era a trigonometria e, portanto, os ângulos, decidiu agregar um pouco de rigor matemático à navegação e, para isso, resolveu calcular o comprimento de um grau.
A medição com sucesso do trânsito venusiano coube, em vez disso, a um capitão de navio pouco conhecido, nascido em Yorkshire, chamado James Cook, que observou o trânsito de 1769 do cume de um morro ensolarado no Taiti e, em seguida, partiu para cartografar a Austrália, reivindicando-a para a coroa britânica. Após o regresso de Cook, o astrônomo francês Joseph Lalande pôde calcular, com base nas informações agora disponíveis, que a distancia média da Terra ao Sol era um pouco superior a 150 milhões de quilômetros. (Dois outros trânsitos, no século XIX, permitiram aos astrônomos fixar a cifra em 149,59 milhões de quilômetros, onde permaneceu desde então. A distância exata, sabemos agora, é de 149 597 870 691 quilômetros.)
A Terra enfim tinha uma posição no espaço.
Extrapolando suas medições de Schiehallion, Hutton calculou a massa da Terra em 5 trilhões de toneladas, da qual pôde deduzir razoavelmente as massas de todos os demais grande corpos do sistema solar, incluído o Sol. Assim, esse único experimento rendeu as massas da Terra, do Sol, da
Lua, de outros planetas e suas luas, e de quebra ganhamos as curvas de nível – nada mal para o trabalho de um verão.
No entanto, nem todos ficaram satisfeitos com os resultados. A deficiência do experimento de Schiehallion era não ser possível obter uma cifra realmente exata sem saber a densidade real da montanha. Por conveniência, Hutton havia pressuposto que ela tinha a mesma densidade da pedra normal, cerca de 2,5 vezes a da água, entretanto isso não passava de conjetura.
Uma pessoa aparentemente improvável que voltou seu pensamento para a questão foi um pároco do interior chamado John Michell, que residia na solitária aldeia de Thornhill, em Yorkshire. Apesar de sua situação remota e relativamente humilde, Michell foi um dos grandes pensadores cientistas do século XVIII, sendo muito estimado por isso.
Entre muitas outras coisas, ele percebeu a natureza ondular dos terremotos, realizou muitas pesquisas originais sobre magnetismo e gravidade e, de forma extraordinária, imaginou a possibilidade de buracos negros duzentos anos antes de qualquer outro – um salto de dedução intuitiva de que nem sequer Newton foi capaz. Quando o músico de origem alemã William Herschel decidiu que seu verdadeiro interesse na vida era a astronomia, foi a Michell que recorreu para aprender a montar telescópios, uma gentileza que a ciência planetária agradece até hoje.*

Cinema – Alain Delon pede a filho que providencie sua eutanásia


O ator Alain Delon, de 86 anos, ícone cinema francês e europeu, decidiu recorrer à eutanásia, de acordo com um de seus filhos, Anthony, incumbido de organizar todo o processo e acompanhá-lo em seus momentos finais. A informação foi revelada por Anthony à revista francesa Le Point.

Alain Delon tem afirmado em entrevistas recentes que não hesitaria em recorrer à medida se necessário. Ele disse a um canal de TV que é a favor desse recurso, primeiro porque mora na Suíça e também porque acha que “é a coisa mais lógica e natural” a se fazer a partir de uma certa idade, de um certo momento.

“A pessoa tem o direito de sair tranquilamente, sem passar por hospitais, injeções e o resto…”
Delon anunciou o fim da carreira em 2017, aos 81 anos. Ele sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) em 2019 e se recuperou em uma clínica na Suíça. O ator ainda mora no país, onde o suicídio assistido é legal.

Delon confessou em 2010 à revista Paris Match que perdeu “a paixão” pelo mundo que o rodeia e que passa a maior parte de seu tempo “à toa”, rodeado de seus animais de estimação enquanto tenta desfrutar ao máximo de seus filhos e seus netos para “não morrer sozinho”.

“Fui tão feliz como não se pode ser toda a vida. E quero compartilhar o máximo que puder com meus filhos. Não quero morrer sozinho”, afirmou.
Quando sua também ex-mulher Mireille Darc faleceu, em 2017, Delon disse que ela era a mulher de sua vida e que, sem ela, também poderia partir. A atriz francesa Nathalie Delon, que foi esposa de Alain Delon e mãe de Anthony, morreu em janeiro de 2021, aos 79 anos.
O ator de 86 anos, que sofreu um AVC em 2019, havia afirmado anteriormente que seu estado de saúde vinha piorando, o que o impedia de continuar a carreira de ator.
Em 2014, Delon sofreu uma arritmia cardíaca e precisou ser internado às pressas. Dois anos antes, ele tinha feito uma cirurgia no coração após ser hospitalizado pelo mesmo motivo. Em entrevistas recentes, ele já havia afirmado ser a favor da eutanásia e de que a morte não era um de seus medos.
A mãe de Anthony e mulher de Alain, Nathalie Delon, também havia optado pela eutanásia quando descobriu que estava com um câncer no pâncreas. Ela acabou morrendo antes do procedimento, em janeiro de 2021, aos 79 anos.
A eutanásia, prática que promove uma morte indolor e geralmente é solicitada por pacientes em estado terminal, para aliviar sofrimentos causados por doenças, é legalizada em países como Bélgica, Holanda e Suíça, onde o ator vive atualmente. No Brasil, o procedimento é ilegal.
lain Delon é um rosto conhecido do cinema europeu e foi galã de filmes entre as décadas de 1960 e 1970, protagonizando títulos como “Rocco e seus Irmãos” (1960), “O Leopardo” (1963) e “O Samurai” (1967). Seu último trabalho foi em “Toute Ressemblance”, em 2019.

Naquele ano, recebeu uma Palma de Ouro honorária no Festival de Cannes – a entrega do prêmio ao ator, que já disse ter dado tapas em mulheres e é entusiasta da direita francesa, foi contestada por movimentos como o #MeToo na época.