Um pesquisador francês muda os rumos da discussão sobre a identidade do primeiro ser vivo da Terra, o micróbio fundamental. A hipótese predominante dizia que ele era amigo das altíssimas temperaturas. Agora, o professor Paul Forterre diz que não, o bicho não era tão quente assim.
Por volta de 4 bilhões de anos atrás, a superfície da Terra era um inferno horroroso, assolado por centenas de vulcões ativos e bombardeado por grandes meteoros. Mas isso não impediu que os micróbios aparecessem. Segundo a hipótese mais aceita, eram seres infernais: habitavam fendas fumegantes, por onde jorrava vapor de água carregado de sais minerais. Alimentados pelo caldo forte e aquecidos pelo forno interior da Terra, aqueles seres não precisaram da energia do Sol para viver, ao contrário da grande maioria dos seus sucessores.
Bem recentemente, em 1977, foram descobertos micróbios subterrâneos bem parecidos — e bem vivos. São bactérias: os termófilos (se aguentam bem até 80°C) ou hipertermófilos (chegam aos 110°C). No final do ano passado, descobriu-se mais. Que a quantidade desses amigos do calor é tão grande que, em peso, pode ser maior do que a de todos os outros animais e plantas somados. A descoberta foi pura lenha na fogueira e inflamou ainda mais a hipótese de que nossos ancestrais biológicos ferviam. Os herdeiros encontrados seriam as provas candentes da existência dos antepassados.
Fundamental é achar um tronco para a árvore genealógica de todos os seres, dos insetos às baleias azuis, passando pelas famílias de cada um de nós. São conhecidos três grandes galhos: o das bactérias, o das arqueobactérias e o dos eucariotas. As duas primeiras são bastante semelhantes entre si. Seu organismo é uma célula pequena e sem órgãos internos, nem núcleo nem nada. Por isso, parecem primitivas.
Os eucariotas, o terceiro galho, seriam uma ramificação mais recente. Suas células, de fato, são maiores e têm diversos órgãos internos, como o núcleo — uma bolha de gordura onde os genes ficam guardados. Muitos eucariotas são unicelulares, como as algas, as amebas e os protozoários (um protozoário conhecido é o tripanossoma, causador do mal de Chagas). Mas há os eucariotas multicelulares. Você, que está com essa revista na mão, é um eucariota. A minhoca também é, como todos os animais e plantas.
Foi a partir dessa árvore de três galhos que se chegou a hipótese do ancestral mais tórrido. Por sua simplicidade, as bactérias e arqueobactérias parecem ser as mais primitivas. Além do quê, são amigas do calor. Outro ponto a favor: os fósseis mais antigos já encontrados, com 3,5 bilhões de anos, têm os traços gerais das bactérias, enquanto os primeiros rastros dos eucariotas aparecem há apenas 2 bilhões de anos. Mas a tese pegou fogo mesmo quando passaram a surgir, recentemente, novas descobertas de termófilos e hipertermófilos (bactérias das altas temperaturas, de até 110 graus) habitando as profundezas da terra, muitas vezes embaixo do fundo dos oceanos.
Todos os meses, praticamente, surge um novo representante da escaldante fauna. Em 1994, o microbiologista ambiental Daniel Boone, do Oregon Graduate Institute, de Portland, Estados Unidos, encontrou montanhas de bactérias enterradas sob mais de 3 quilômetros de rochas. Uma delas, apropriadamente batizada Bacillus infernus, é inquilina das fendas de pedra a 60°C. Boone resumiu o argumento da maioria dos cientistas com relação a esses micróbios. “Durante a formação da Terra, a temperatura era muito alta, e assim que ela caiu um pouco, as primeiras células capazes de sobreviver teriam sido as bactérias termófilas.”
O francês Paul Forterre, no entanto, acha prematuro tirar conclusões por aí. Ele reconhece que as bactérias têm uma anatomia simples. Mas, se forem observadas mais de perto, na escala das moléculas, elas não são realmente primitivas: “Elas têm mais ou menos as mesmas engrenagens bioquímicas dos eucariotas.” Forterre trabalha com a idéia de um ser ancestral muito diferente com relação aos que existem hoje.
Planeta dos micróbios
Eles estão na Terra há mais de 4 bilhões de anos; os humanos (Homo erectus) chegaram há 2 milhões de anos, se tanto. Uma idade duas mil vezes menor. Mesmo juntando todos os animais, dos menores vermes às baleias azuis, nenhum está aqui há mais de 500 milhões de anos, quase um décimo da idade dos micróbios. Numa árvore genealógica de todos os seres, o conjunto completo dos animais é um único ramo, e o conjunto das plantas ocupa mais um. São dois ramos num dos três galhos da árvore, o galho dos eucariotas. Todos os outros vinte ramos da árvore são propriedade dos micróbios.
“Já sabemos que há mais diferença entre duas linhagens de micróbios, mesmo filiados ao galho dos eucariotas, do que entre as plantas e os animais, que também são eucariotas”, diz o francês Paul Forterre. Isso significa que há mais semelhanças entre um cidadão comum e uma samambaia do que entre um micróbio e outro.
Forterre sustenta que a ramificação dos seres unicelulares, por volta de 4 bilhões de anos atrás, foi muito rápida. Uma explosão que transformou profundamente o hipotético precursor de todos eles, na visão do cientista. Ele sabe que está andando na contramão.
Em oposição a ele, pesa o fato de que Terra sofreu pesada blitz de meteoros gigantes, entre 4,2 e 3,8 bilhões de anos atrás. Essa descoberta, feita há pouco mais de cinco anos, animou os defensores de um ancestral termófilo, já que a temperatura global da Terra pode ter chegado a quase 100 °C.
Uma árvore para cada hipótese
Hipótese 1
A visão predominante entre os pesquisadores é que os primeiros organismos surgiram mesmo na Terra ardente. Eram antepassados das bactérias (microorganismos que não têm núcleo). Por isso, as bactérias estariam na linhagem principal da árvore genealógica.
Hipótese 2
Na hipótese alternativa nem tudo era castigo, o tempo todo. As células originais acharam um ambiente menos quente para nascer e estavam na linhagem dos eucariotas (microorganismos com núcleo). Nesse ramo, estão os animais, inclusive o homem.
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