A Terra está imersa em 2 000 toneladas de entulho sideral. São satélites desligados e componentes de naves acumulados desde a subida do Sputnik, em 1957. Dos 3 800 foguetes e 4 600 satélites lançados nestas quatro décadas, só 500 ainda funcionam. O resto virou lixo: 8 000 peças maiores do que uma bola de tênis, 110 000 cacos com diâmetro entre 1 e 10 centímetros e 35 milhões de lascas menores que 1 centímetro.
Boa parte desse lixão vai cair e poderá provocar acidentes. É que o atrito dos aparelhos com as moléculas de ar reduz, gradativamente, sua velocidade orbital, até a força de gravidade puxá-los de volta. Só que, se a peça estiver muito no alto, onde o ar é muito rarefeito, a queda leva milhões de anos. De qualquer modo, a grande maioria das que mergulham na atmosfera se pulveriza na viagem. E as que finalmente chegam à superfície costumam se perder nos oceanos. “Nenhum dos 16 000 artefatos que já caíram provocou ferimentos em alguém”. Quem corre mais risco são as naves em operação.
O homem é rápido. Em quatro décadas poluiu a estratosfera. Ela já está cheia de entulhos. Em junho de 1997, o satélite de sensoriamento remoto ERS-1, da Agência Espacial Européia (ESA), teve de ser manobrado para escapar de uma aeronave russa desativada, de 750 quilos, que cruzou seu caminho. Em pelo menos três missões, a tripulação dos ônibus espaciais fez curvas de emergência para evitar o choque com peças descartadas de velhas espaçonaves. Esses desvios só são possíveis graças ao rastreamento feito por uma rede de telescópios óticos e radares de superfície. Eles acompanham o movimento de todo e qualquer objeto maior que 10 centímetros até 2 000 quilômetros de altura.
Nem sempre, porém, é possível evitar o desastre. Em junho de 1996, o satélite de comunicação francês Cerise, a 660 quilômetros de altura, foi abalroado e destruído por um pedaço do foguete Ariane, lançado pela Agência Espacial Européia uma década antes. Calcule o estrago que um choque desse tipo pode causar: para um objeto se manter em órbita, ele tem de viajar a cerca de 27 000 quilômetros por hora, dez vezes mais do que a velocidade de uma bala de fuzil. Isso quer dizer que dois bólidos podem se chocar de frente a 54 000 quilômetros horários. A essa velocidade, bater numa bolinha de gude é o mesmo que trombar com um cofre de 180 quilos a 180 quilômetros por hora.
Nesse cenário tumultuado, os ônibus espaciais americanos e o Telescópio Espacial Hubble são no mínimo sortudos sobreviventes: por enquanto, escaparam com poucos arranhões (veja os quadros ao lado). Principalmente se pensarmos que, quanto maior um artefato e quanto mais tempo ele permanecer no espaço, maiores serão suas probabilidades de ser atropelado. Estima-se que, em dezessete anos de funcionamento, o Hubble, com o comprimento de um prédio de quatro andares, tenha 4% de chance de ser abalroado por um projétil de 1 centímetro de diâmetro.
Esses cálculos vêm da experiência com projetos como o americano LDEF (sigla para Instalação para Exposição de Longa Duração, em inglês). Esse verdadeiro “saco de pancadas” passou anos como alvo para lixo espacial coletando dados essenciais sobre os fragmentos ameaçadores .
Os maiores responsáveis pelo congestionamento são os novos sistemas de comunicação e telefonia, que usam constelações de satélites (isto é, várias máquinas que montam uma rede de sinais ao redor do globo). Somente o Projeto Iridium, de empresas americanas e japonesas, deve colocar 66 satélites a 780 quilômetros de altura. Outro delírio tecnológico, o Projeto Teledesic, pretende plantar, até o ano 2001, nada menos que 840 máquinas a 700 quilômetros da superfície, para interligar computadores terrestres. O receio, justificado, é que essas redes superdimensionadas acabem capturando, junto com os sinais eletrônicos, muito lixo. E, ao se danificarem, gerem mais sucata ainda. E, aí, vão virar mais sucata. Entulho sideral.
Na primeira missão para reparos no Telescópio Hubble, em 1993, os astronautas encontraram um buraco de quase 2 centímetros de diâmetro no prato de uma antena de comunicação (no detalhe). Um dos painéis solares que fornecem energia para o supertelescópio também estava bombardeado: tinha um rombo de 7 milímetros de diâmetro.
Mais de sessenta janelas dos ônibus espaciais voltaram moídas das missões. A cratera do detalhe, com 2,5 milímetros de diâmetro, foi criada por uma lasca de tinta de aeronave do tamanho de um grão de sal. A velocidade do choque foi de 14 400 quilômetros por hora. Microfissuras como esta podem espatifar a janela na descida da nave.
As comissões que reúnem agências espaciais de nações européias, asiáticas e americanas e o Comitê para o Uso Pacífico do Espaço, da Organização das Nações Unidas (ONU), acham que já está na hora de se fazer um pouco mais pela “ecologia” da órbita terrestre. Elas têm tentado estabelecer regras, como a da eliminação de qualquer sobra de combustível do estágio final dos foguetes. Isso já vai evitar as explosões causadas pelo choque de sucata com os tanques mal esvaziados. Ainda assim, os técnicos admitem que tais medidas são insuficientes.
A resistência da fuselagem das naves é testada em laboratórios como o do Centro Espacial Johnson, da Nasa, em Houston, Texas. Um revólver de hipervelocidade, de mais de 30 metros de comprimento (na foto grande), lança um projétil, uma bolinha de alumínio, de 1 centímetro de diâmetro, contra um sanduíche de placas metálicas (no detalhe). Com a força do impacto, a primeira lâmina, que serve de pára-choque, derrete. O projétil é pulverizado em milhares de fragmentos, que se espalham e atingem as placas seguintes numa velocidade cada vez mais baixa. Dessa maneira, a violência da trombada é amortecida.
Telescópios e radares rastreiam 8 500 objetos orbitais com mais de 10 centímetros de diâmetro. Desse total, 8 000 são puro ferro-velho.
Na faixa dos satélites meteorológicos e de telecomunicações, que ficam “estacionados” a 36 000 quilômetros da superfície, há 600 pedaços de lata velha. Eles jamais cairão de volta ao planeta porque, a essa altitude, não perdem a velocidade orbital, que os mantém lá no alto.
Entre 2 000 e 30 000 quilômetros de altura circulam os chamados satélites de navegação, como os GPS, que indicam a localização de navios e aviões na superfície da Terra. Aqui, existem pelo menos 134 peças perdidas. Elas podem despencar, mas só daqui a milhares ou mesmo milhões de anos.
A área mais poluída está entre 200 e 2 000 quilômetros de altura, com 5 700 fragmentos de lixo. É a faixa dos satélites meteorológicos, de telecomunicação e de observação, dos ônibus espaciais e das estações orbitais. Os que estão a 1 000 quilômetros de altura levam séculos para cair. Mas quando chegam a 200 quilômetros mergulham em direção ao solo em poucos dias.
Existem 1 450 objetos que têm um trajeto excêntrico. Eles passeiam por todas as órbitas terrestres e podem provocar desastres.
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