O Tamanho Da Terra


Se você tivesse de escolher a viagem de campo científica menos aprazível de todos os tempos, não acharia melhor candidato que a expedição peruana da Academia Real Francesa de 1735. Liderada por um hidrologista chamado Pierre Bouguer e um soldado-matemático de nome Charles
Marie de La Condamine, um grupo de cientistas e ventureiros viajou ao Peru com o objetivo de triangular distâncias pelo Andes.
Na época, as pessoas haviam sido acometidas de um desejo poderoso de entender a Terra: saber sua idade, sua massa, onde se situava no espaço e como veio a existir. O intuito do grupo francês era ajudar a esclarecer a questão da circunferência do planeta, medindo o comprimento e um grau de meridiano (ou 1/360 da distância ao redor do planeta ao longo de uma linha que se estendia de Yarouqui, próximo de Quito, até logo depois de Cuenca, no atual Equador, uma distância de cerca de 320 quilômetros.*
A resposta está em parte no fato de que o cientistas do século XVIII, os franceses em particular, raramente faziam as coisas de forma simples e se houvesse uma alternativa complicada, e em parte num problema prático surgido com o astrônomo inglês Edmond Halley, muitos anos antes – bem antes de Bouguer e La Condamine sonharem em ir para a América do Sul ou chegarem a ter uma razão para isso.
Halley foi uma figura excepcional. No decorrer de uma carreira longa e produtiva, foi capitão de navio, cartógrafo, professor de geometria na Universidade de Oxford, vice-tesoureiro da Cada da Moeda Real, astrônomo real e inventor do sino de imersão.
Ele escreveu com autoridade sobre magnetismo, marés e os movimentos dos planetas e afetuosamente sobre os efeitos do ópio. Inventou o mapa do tempo e a tabela atuarial, propôs métodos para calcular a idade da Terra e a sua distância do Sol, chegou a conceber um método prático para manter frescos os peixes fora da estação. O interessante que a única coisa que ele não fez foi descobrir o cometa que leva seu nome. Ele apenas reconheceu que o cometa que viu em 1682 era o mesmo que outros haviam visto em 1456, 1531 e O cometa só recebeu o nome de Halley em 1758, dezesseis anos após sua morte. Apesar de todas as suas realizações, a maior contribuição de Halley para o conhecimento humano talvez tenha sido sua participação numa aposta científica modesta com dois outros luminares de sua época: Robert Hooke, atualmente mais lembrado como o primeiro a descrever uma célula, e o grande e altivo sir Christopher Wren, cuja principal atividade era a astronomia, a arquitetura vindo em segundo lugar, embora isso não costume ser lembrado hoje. Em 1683, Halley, Hooke e Wren estavam jantando em Londres quando a conversa voltou-se para os movimentos dos objetos celestes.
Sabia-se que os planetas tendiam a girar em um tipo específico de órbita oval conhecida como elipse – “uma curva muito específica e precisa”, para citar Richard Feynman mas não se sabia o porquê. Num rasgo de generosidade, Wren ofereceu um prêmio de quarenta xelins (o equivalente a algumas semanas de salário) àquele que fornecesse uma solução.
Hooke, que era conhecido por se apropriar das ideias dos outros, alegou que já havia resolvido o problema, mas que não revelaria a solução naquele momento sob o pretexto interessante e inventivo de que não queria privar os colegas da satisfação de descobri-la por si mesmos. Ele a “esconderia por algum tempo, para que os outros soubessem valorizá-la”. Se ele se aprofundou na questão, não deixou nenhum sinal disso. Já Halley ficou obcecado em encontrar a resposta, a ponto de, no ano seguinte, viajar a Cambridge e ousadamente procurar o professor lucasiano de matemática, Isaac Newton, na esperança de obter uma luz. Newton era uma figura decididamente estranha: brilhante além da conta, mas solitário, irritadiço no limiar da paranóia, famoso pela distração (depois de tirar os pés da cama ao acordar, diziam que às vezes ficava sentado durante horas, imobilizado por uma súbita irrupção de pensamentos) capaz das maiores loucuras. Ele construiu seu próprio laboratório, o primeiro de Cambridge, mas depois entregou-se aos experimentos mais estranhos. Certa vez, inseriu uma sovela – uma agulha comprida do tipo usado para costurar couro – na órbita do olho e esfregou-a “entre meu olho e o osso o mais
perto possível do fundo do olho” só para ver o que aconteceria. O que aconteceu, milagrosamente, foi nada – pelo menos nada de duradouro. Em outra ocasião ele olhou para o Sol o máximo que conseguiu aguentar, para ver como isso afetaria sua visão. De novo, escapou de danos duradouros,embora tivesse que passar alguns dias num aposento escuro até que seus olhos o perdoassem.
Acima dessas crenças estranhas e dessas esquisitices, brilhava a mente de um gênio supremo, se bem que, mesmo trabalhando em canais convencionais, ele costumava mostrar uma tendência a excentricidade. Quando estudante, frustrado pelas limitações da matemática convencional, inventou uma forma totalmente nova, o cálculo infinitesimal, no entanto, o manteve em segredo por 27 anos.
De modo semelhante, fez descobertas em óptica que transformaram nossa compreensão da luz e criaram a base da ciência da espectroscopia, mas de novo optou por não compartilhar os conhecimentos por três décadas.
Com todo o brilho de sua mente, a verdadeira ciência espertava apenas parte de seu interesse. Pelo menos metade de sua vida profissional, dedicou-se à alquimia e a pesquisas religiosas extravagantes. Não eram meros interesses superficiais, e sim devoções de corpo e alma. Ele era um
adepto secreto de uma seita perigosamente herética enominada arianismo, cuja principal doutrina era a negação da Santíssima Trindade (uma ironia, já que a faculdade de Newton em Cambridge era a Trinity – “Trindade” em inglês). Passava horas a fio estudando a planta do templo perdido do rei Salomão em Jerusalém (aprendendo sozinho hebraico para entender melhor os textos originais), na cresce de que ela continha pistas matemáticas das datas do segundo advento de Cristo e do fim do mundo. Sua dedicação à alquimia não era menos forte. Em 1936, o economista John Maynard Keynes adquiriu um baú de trabalhos de Newton num leilão e descobriu, espantado, que eles se ocupavam predominantemente, não da óptica ou dos movimentos planetários, mas da tentativa obsessiva de transformar metais vis em preciosos. Uma análise de um cacho de cabelo de Newton, na década de 1970, revelou a presença de mercúrio – um elemento que interessa aos alquimistas, chapeleiros e fabricantes de termômetros, e a quase mais ninguém – numa concentração quarenta vezes que o nível natural. Não é de espantar que ele tivesse dificuldades em se lembrar de levantar da cama de manhã.
As expectativas exatas de Halley naquela visita de surpresa são um mistério. Mas graças a um relato posterior de um confidente de Newton, Abraham DeMoivre, temos um registro de um dos encontros mais históricos da ciência: Em 1684 o dr. Halley veio em visita a Cambridge e, depois de algum tempo juntos, o doutor perguntou qual curva ele achava que seria descrita pelos planetas supondo-se que a força de atração do Sol fosso inversamente proporcional ao quadrado de suas distâncias em relação a ele.
Essa era uma referência a uma formulação matemática conhecida como lei do quadrado inverso, que Halley estava convencido de que era essencial à explicação, embora não soubesse exatamente quando.
O sr. Isaac respondeu imediatamente que seria uma elipse. O doutor, tomado de alegria e espanto, perguntou como ele sabia aquilo. “Ora”, respondeu ele, “eu calculei”, ao que o dr. Halley pediu o cálculo sem maiores delongas. O sr. Isaac procurou entre seus papeis e não conseguiu encontrar.
As leis de Newton explicavam tantas coisas – o sobe-e-desce das marés oceânicas, o movimento dos planetas, por que as balas de canhão percorrem uma trajetória específica antes de cair de volta para a terra, porque não somos atirados ao espaço enquanto o planeta gira ao nossos pés a centenas de quilômetros por hora* – que foi preciso algum tempo até que todas as implicações fossem assimiladas. Mas uma revelação gerou uma controvérsia quase instantânea.
[A velocidade em que você esta girando depende da sua localização. A velocidade da rotação da Terra varia de pouco mais de 1600 quilômetros por hora no equador a zero nos pólos. Em Londres, a velocidade é de 998 quilômetros por hora.]
Foi a ideia de que a Terra não é totalmente redonda. De acordo com a teoria de Newton, a força centrífuga da rotação da Terra resultaria num ligeiro achatamento dos pólos e numa saliência no equador, o que tornaria o planeta ligeiramente oblato. Isso faria com que o comprimento de um grau de meridiano não fosse o mesmo na Itália e na Escócia. Especificamente, o comprimento diminuiria com o afastamento dos pólos. Essa não era uma boa notícia para aqueles que baseavam suas medições na Terra no pressuposto de ela ser uma esfera perfeita, ou seja, todo mundo. Havia meio século, as pessoas vinham tentando calcular o tamanho da Terra, em geral fazendo medições muito árduas. Uma das primeiras tentativas foi a de um matemático inglês chamado Richard Norwood. Quando jovem, Norwood viajara para as Bermudas com um sino de imersão baseado no dispositivo de Halley, sonhando em fazer fortuna catando pérolas no fundo do mar. A ideia falhou porque não havia pérolas e, de qualquer modo, o sino não funcionou. Mas Norwood não costumava desperdiçar uma experiência. No início do século XVII, as Bermudas eram conhecidas entre os capitães de navios por serem difíceis de localizar. O problema era que o oceano era grande, as Bermudas eram pequenas e as ferramentas de navegação para lidar com essa disparidade eram totalmente inadequadas Não havia sequer um consenso quanto ao comprimento da milha náutica. Na extensão de um oceano, o menor erro de cálculo se ampliava, fazendo com que os navios muitas vezes não encontrassem alvos do tamanho das Bermudas por margens insignificantes. Norwood, cuja maior paixão era a trigonometria e, portanto, os ângulos, decidiu agregar um pouco de rigor matemático à navegação e, para isso, resolveu calcular o comprimento de um grau.
A medição com sucesso do trânsito venusiano coube, em vez disso, a um capitão de navio pouco conhecido, nascido em Yorkshire, chamado James Cook, que observou o trânsito de 1769 do cume de um morro ensolarado no Taiti e, em seguida, partiu para cartografar a Austrália, reivindicando-a para a coroa britânica. Após o regresso de Cook, o astrônomo francês Joseph Lalande pôde calcular, com base nas informações agora disponíveis, que a distancia média da Terra ao Sol era um pouco superior a 150 milhões de quilômetros. (Dois outros trânsitos, no século XIX, permitiram aos astrônomos fixar a cifra em 149,59 milhões de quilômetros, onde permaneceu desde então. A distância exata, sabemos agora, é de 149 597 870 691 quilômetros.)
A Terra enfim tinha uma posição no espaço.
Extrapolando suas medições de Schiehallion, Hutton calculou a massa da Terra em 5 trilhões de toneladas, da qual pôde deduzir razoavelmente as massas de todos os demais grande corpos do sistema solar, incluído o Sol. Assim, esse único experimento rendeu as massas da Terra, do Sol, da
Lua, de outros planetas e suas luas, e de quebra ganhamos as curvas de nível – nada mal para o trabalho de um verão.
No entanto, nem todos ficaram satisfeitos com os resultados. A deficiência do experimento de Schiehallion era não ser possível obter uma cifra realmente exata sem saber a densidade real da montanha. Por conveniência, Hutton havia pressuposto que ela tinha a mesma densidade da pedra normal, cerca de 2,5 vezes a da água, entretanto isso não passava de conjetura.
Uma pessoa aparentemente improvável que voltou seu pensamento para a questão foi um pároco do interior chamado John Michell, que residia na solitária aldeia de Thornhill, em Yorkshire. Apesar de sua situação remota e relativamente humilde, Michell foi um dos grandes pensadores cientistas do século XVIII, sendo muito estimado por isso.
Entre muitas outras coisas, ele percebeu a natureza ondular dos terremotos, realizou muitas pesquisas originais sobre magnetismo e gravidade e, de forma extraordinária, imaginou a possibilidade de buracos negros duzentos anos antes de qualquer outro – um salto de dedução intuitiva de que nem sequer Newton foi capaz. Quando o músico de origem alemã William Herschel decidiu que seu verdadeiro interesse na vida era a astronomia, foi a Michell que recorreu para aprender a montar telescópios, uma gentileza que a ciência planetária agradece até hoje.*

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