Mais de 97% da água do planeta é de mares. Salgada, não serve nem para uso industrial. A potável mais pura da natureza está nas calotas polares e nas geleiras, que armazenam 2% da água do planeta. Muito frio e muito longe. Lençóis subterrâneos, lagos, rios e a atmosfera guardam o 1% restante. E é só essa que está à disposição.
As chuvas e a neve descarregam sobre os continentes parte do que evapora dos oceanos. São 40 673 quilômetros cúbicos ao ano. Mas quase dois terços se perdem. Restam 14 000 km3 como fonte de suprimento estável para um consumo anual global, hoje em torno de 4 500 km3.
No consumo global, 69% das águas potáveis, 15% do uso doméstico e 20% das águas de irrigação são de origem subterrânea. Mas essas reservas não são eternas; são como jazidas de petróleo, não renováveis. A superexploração provoca rebaixamento dos lençóis freáticos e problemas amargos para muitos países.
Nos últimos vinte anos, novas 1,8 bilhões de bocas vieram se somar à humanidade e diminuíram em um terço o suprimento de água do planeta. O pior é que a necessidade de água cresce ainda mais rápido do que o aumento da população. Para atendê-la, cavam-se poços e constróem-se barragens. Já há 36 000 barragens no mundo. O problema é que as novas alternativas para matar a sede da civilização custarão cada vez mais caro.
Onze países da África e nove do Oriente Médio sofrem secas permanentes. Mas a situação vai se complicando também em outros lugares, no México, Hungria, Índia, China, Tailândia e Estados Unidos. Para um número crescente de países há perspectivas de esgotamento de reservas. Veja, a seguir, alguns retratos da crise:
• Na Cidade do México, o governo tenta disciplinar o consumo e escavação de poços. A exploração desordenada rebaixou o lençol freático e isso tem ocasionado o afundamento do centro da capital — 20 cm ao ano, há décadas. A Catedral Metropolitana que já se encontra dois metros abaixo do nível da rua, está tombando.
• Um dos desastres mais graves é o do mar de Aral, na Ásia. Ele já perdeu 40% em superfície e 60% do volume. Os rios Amu e Syr, que desaguavam nele, foram desviados para irrigar 7,5 milhões de hectares de algodão.
• A Arábia Saudita, onde 75% da água provêm de lençóis subterrâneos, irrigou o deserto e virou exportadora de trigo em 1984. Em 1992, o rei Fahd autorizou o aumento da exploração de água do subsolo, de 5,2 bilhões de m3/ano para 7,8 bilhões. Prevê-se o esgotamento das reservas em 50 anos.
• Na Líbia, as reservas subterrâneas da costa do Mediterrâneo já ficaram salobras. Esvaziadas, foram invadidas por água salgada. O governo constrói o Grande Rio Artificial, rede de 1 000 quilômetros de dutos, que trará água de reservas do deserto até a costa. Cerca de 730 milhões de m3/ano serão transfe-ridos durante 40 ou 60 anos, a um custo total de 25 bilhões de dólares. Mas logo a nova fonte também vai secar.
• Na China — com 22% da população mundial e apenas 8% da água doce — falta água em Pequim, Tianjin e nas planícies produtoras de grãos, no Norte. Os lençóis da capital diminuem 2 metros por ano, e um terço dos poços já secaram.
Hoje, quando secam as torneiras de bairros inteiros na cidade grande e a madame do bairro vizinho manda lavar a calçada, ninguém repara. Mas isso também terá que mudar. Nos próximos quarenta anos, 90% do crescimento populacional vai se concentrar nas cidades. Como a agricultura consome dois terços de toda a água retirada da superfície e do subsolo, uma parte dos recursos da irrigação deverá ser desviada. É provável que a água, então, alcance um valor de mercado comparável ao do carvão, do petróleo ou da madeira — e que o desperdício venha a ser punido pela legislação.
Economizar já é imperativo. Em Israel — onde 70% do esgoto é reciclado para irrigação —, foi criada a microirrigação: redes de tubos porosos ou perfurados sob o solo, diretamente sob as raízes dos vegetais, fazem circular água em gotas.
Nos Estados Unidos, o consumo industrial já diminuiu 36% desde 1950. Na Alemanha, mantém-se estável desde 1975, apesar de um aumento de 44% na produção. No Japão, diminuiu 24% desde 1989.
É preciso, também, encontrar alternativas para o abastecimento. Há 7 500 usinas em operação no Golfo Pérsico, Califórnia, Espanha, Malta, Austrália e no Caribe, convertendo 4,8 bilhões de m3 de água salgada em água doce, por ano. Mas o processo ainda é caro. Cada metro cúbico sai por 2 dólares.
No Nordeste, açudes, barragens e represas armazenam 80 bilhões de m3 de água sem melhorar a vida dos 17 milhões de nordestinos. Contudo, os 400 mm de chuvas anuais do semi-árido representam 4 vezes mais do que as chuvas da Califórnia — onde foram criados celeiros agrícolas. A desertificação não ameaça apenas o Nordeste. Há focos de desertificação em Montes Claros (MG), em São Fidélis (RJ), em Marília (SP), em regiões do Paraná, e em 14 municípios do Rio Grande do Sul.
Vários países do mundo já dispõem, há anos, de estoques de água por habitante menores do que a média aceitável de 2000 metros cúbicos/ano/pessoa. E a escassez deve aumentar.
O mar de Aral, na Rússia, é um dos exemplos mais graves de destruição ambiental e desertificação causada pelo homem. Um dos resultados: prejuízos graves à pesca, com navios encalhados na areia.
A estação de tratamento de água de Guaraú, na Grande São Paulo, é a maior do país. Recicla parte das águas usadas nas cidades da região. Faz parte de um projeto-monstro para diminuir o problema de seca no Estado de São Paulo.
A região de Alegrete, no Rio Grande do Sul, vem sofrendo um processo de desertificação constante. Há vários projetos de recuperação do território, que tentam aumentar a fixação de água no solo, utilizando plantas ou muros para conter a areia.
A Arábia Saudita é quase toda coberta por desertos. Mais de 75% da água potável e usada na agricultura é retirada de lençóis freáticos. Os projetos de irrigação transformaram o país em produtor e exportador de trigo, mas a água deve acabar em 50 anos.
O problema da seca não pode ser resolvido só com o consumo da água que existe, uma fonte que não é renovável. Por isso, estão sendo tentadas — ou utilizadas cotidianamente — formas de reciclagem das águas já consumidas nas cidades ou no campo, ou da maior fonte de água, os oceanos e mares.
Árabes querem importar icebergs
Os icebergs da Antártida que se desprendeu em 1991, podem vir a fornecer água.
Esgotos são reoxigenados para uso
Centros de tratamento com grandes misturadores
reoxigenam em tanques a água já usada.
Usinas para dessalinização
Vários países usam água dos oceanos, retirando o sal, em grandes usinas, bem parecidas com as refinarias de petróleo.