Representante exemplar da raça holandesa, ela era capaz de verdadeiras façanhas: em um ano, chegava a produzir 10 mil quilos de leite, quase cinco vezes a média das outras vacas (a produção de leite é medida em quilos, não em litros, porque alguns leites são mais densos do que outros). Durante sete anos, a abundante Lenda viveu pastando nos campos da Fazenda Vale do Sol, no município de São Miguel do Passa Quatro, Goiás. Mas em uma manhã chuvosa, em setembro de 2003, sua vida acabou em uma pequena tragédia rural. Tudo porque Lenda resolveu pular a cerca – no sentido literal da expressão. A vaca, que estava no cio, tentou saltar sobre um dos arames que dividiam os campos da propriedade. No meio do pulo, um vergalhão de ferro espetou as tetas de Lenda, rompendo a veia mamária. A vaca cambaleou por alguns metros e caiu no chão. Quando os funcionários da fazenda a encontraram, estava se esvaindo em sangue. E, antes que a manhã acabasse, a fonte de Lenda havia secado.
Morreu de hemorragia em 2003 – mas, 11 anos depois, ela continua vivíssima. Ou, pelo menos, uma cópia geneticamente idêntica a ela e batizada com o mesmo nome. Quando a vaca original morreu, algumas células foram coletadas às pressas e usadas para fazer a clonagem. Hoje com 10 anos, a nova Lenda vive na fazenda Sucupira, de propriedade da Embrapa. “A história da Lenda demonstrou que, pela clonagem, é possível resgatar um patrimônio genético que parecia perdido para sempre”, diz Rodolfo Rumpf, um dos responsáveis pela clonagem. As tecnologias genéticas não servem apenas para trazer de volta certos indivíduos -também podem ajudar na preservação de espécies inteiras. Prova disso é a vaca Porã: clone de uma vaca junqueira, raça que está à beira da extinção (restam apenas cem representantes vivos em todo o Brasil). Clonada em 2005, Porã é vizinha de Lenda na fazenda Sucupira. Além delas, o local de 1.800 hectares tem outros habitantes ilustres: 300 animais em risco de extinção, incluindo uma raça de asnos, duas de equinos, três de ovinos, três de caprinos e sete de suínos. Por isso, a fazenda – situada em uma área ensolarada a 35 quilômetros de Brasília – ganhou entre os funcionários e pesquisadores um apelido bíblico: Arca de Noé.
Foi na Fazenda Sucupira que nasceu o primeiro animal clonado em toda a América Latina: uma bezerra da raça simental, batizada como “Vitória da Embrapa” .
A bezerra clonada cresceu forte e viveu até os 10 anos – muito para uma vaca. Além disso, teve dois filhos e quatro netos, provando que animais clonados têm um potencial de reprodução tão alto quanto suas versões originais.
Hoje, de 5% a 7% dos animais clonados pela Embrapa sobrevivem e levam vida normal, o que é considerado excelente (a média mundial é de 1%).
Hoje, existem mais de 600 espécies em extinção no Brasil – entre animais domesticados e espécies selvagens. Algumas das espécies domesticadas já foram clonadas. Mas, por enquanto, não existem clones de bichos silvestres. Isso pode mudar graças a um projeto da Embrapa e do Jardim Zoológico de Brasília. Pesquisadores das duas entidades estão montando um banco com o DNA de animais como o lobo-guará, o cachorro-do-mato, o quati e a onça-pintada. A ideia não é trazer de volta espécies que já sumiram – é evitar que as espécies ameaçadas desapareçam. Em cilindros de nitrogênio líquido, são armazenados materiais como células, espermatozoides e ovócitos (células sexuais femininas que dão origem aos óvulos). Os animais resultantes do projeto não serão soltos na natureza, mas criados no Zoológico de Brasília. Hoje, o projeto reúne mais de 400 amostras de DNA.
Os clones brasileiros
Seis animais ameaçados que poderão ser salvos via engenharia genética
Jaguatirica
Onde vive – Cerrado, Amazônia, Pantanal e Mata Atlântica.
Como está – Prejudicada pela destruição gradual de seu hábitat e também alvo de caçadores. Restam 40 mil.
Lobo-Guará
Onde vive – Cerrado e Pampa.
Como está – Vítima de atropelamentos em estradas e doenças transmitidas por cachorros domésticos. No Pampa, restam apenas 50 animais.
Cachorro-do-Mato Vinagre
Onde vive – Da Amazônia até o leste do Maranhão.
Como está – Restam 9 mil indivíduos no Brasil. Nas regiões mais povoadas, a espécie já desapareceu.
Tamanduá-Mirim
Onde vive – Amazônia, Caatinga, Cerrado, Mata Atlântica e Pampa.
Como está – No Sul, vem sendo extinto pela alteração do hábitat e atropelamentos. Restam 10 mil indivíduos.
Mico-Leão Preto
Onde vive – Mata Atlântica.
Como está – Restam pouco mais de mil indivíduos, a maioria em unidades de conservação como o Morro do Diabo (SP).
Cervo do Pantanal
Onde vive – Perto das várzeas de rios, ao longo do Pantanal e do Cerrado, até a região Amazônica.
Como está – Em 2000 (último dado disponível), restavam 44 mil indivíduos. Hoje, é provável que haja menos.