3287- Quem quer viver 1 000 anos?


Agora já não é mais 100, é 1000.
O sonho da vida eterna é tão antigo quanto a autoconsciência humana da inevitabilidade da morte. Segundo os textos bíblicos, é acalentado desde o dia em que a curiosa Eva se rendeu à tentação do conhecimento, experimentou o fruto proibido e foi expulsa do paraíso da inconsciência, ao descobrir-se mortal. O fato é que, do primeiro casal para cá, não somente perdemos a prerrogativa da imortalidade como também alguns séculos de vida, pois dizem que Adão teria morrido aos 930 anos. Desde então, a pessoa que, comprovadamente, viveu mais tempo foi a francesa Jeanne-Louise Calment, morta em 1997, aos 122 anos – sinalizando que esse seria aproximadamente o limite de sobrevivência do corpo humano.
O biogerontologista inglês Aubrey de Grey está convencido de que o envelhecimento é um processo biológico que pode perfeitamente vir a ser controlado, da mesma forma que a ciência já conseguiu combater muitas doenças que antes eram tidas como incuráveis. Se tudo correr conforme prevê o cientista inglês, em dez anos a ciência conseguirá prolongar significativamente a vida de camundongos. E, aplicando-se o conhecimento adquirido com essas experiências, até 2030 já será possível aumentar a expectativa de vida do homem para algo em torno de 130 anos – quase o dobro da média mundial atual. De Grey vai mais longe em seus prognósticos para lá de otimistas. Em um artigo publicado no final de 2004 no site da rede BBC, ele disse acreditar que a primeira pessoa a viver até 1 000 anos já está entre nós e tem hoje por volta de 60 anos.
É difícil encontrar na comunidade científica quem faça coro às previsões mirabolantes de De Grey. A opinião predominante é que, a despeito de toda a tecnologia, não deverá haver avanços significativos na longevidade humana em um futuro próximo. Sobre o assunto, cientistas reunidos em um painel promovido há alguns anos pela revista Scientific American não deram motivos para muito otimismo: considerando todas as conquistas iminentes, como a terapia gênica e a possibilidade de substituição de quase todos os órgãos naturais, e mesmo a hibernação humana, a expectativa de vida no planeta alcançará, quando muito, 140 anos… Em 2500!
Enquanto se multiplicam no mundo os estudos sobre bons e maus hábitos, os cientistas matutam para encontrar drogas capazes de curar ou impedir o surgimento das doenças que acometem os mais idosos, como o Alzheimer, além das herdadas geneticamente. Inventam órgãos artificiais. Aprendem a corrigir genes defeituosos. Aprimoram técnicas de transplante e conhecimentos sobre células-tronco que, no futuro, servirão para cultivar novos órgãos – da pele ao pênis, do coração ao fígado. E se debruçam sobre o mapa genético humano na tentativa de encontrar uma causa específica para o envelhecimento.
Os cientistas querem descobrir agora como funciona o relógio orgânico que, fatalmente, conduz o ser humano ao fim. Eles até já teriam pistas do funcionamento do gene responsável por desencadear o processo. Se um dia se desvendará o mistério, ainda não se sabe.
• CENTENÁRIOS
No mundo todo, a faixa da população que vem crescendo mais é a dos idosos, sobretudo aqueles com mais de 100 anos. No ano de 2050, eles deverão formar um grupo 20 vezes maior que o de centenários do ano 2000.
• PERSPECTIVA
Mesmo levando-se em conta os avanços da ciência que devem ocorrer nos próximos anos, a maioria dos cientistas se mantém cética quanto à possibilidade de um aumento dramático na expectativa de vida do homem neste século.
• QUALIDADE DE VIDA
Se não vamos viver muito mais, ao menos deveremos viver melhor durante a velhice. O número de idosos que conseguem viver sem a ajuda de outras pessoas tende a crescer.

Eterna obsessão
Para o movimento transumanista, a tecnologia vai mudar o homem e, cedo ou tarde, torná-lo imortal
Enquanto os místicos tentam transcender os limites do corpo pela força espiritual, alguns pensadores, na direção oposta, acreditam que poderemos chegar ao paraíso pelo caminho da ciência e da tecnologia. Eles se autodenominam “transumanistas” e acreditam que a humanidade será radicalmente modificada pela tecnologia no futuro – a tal ponto que, em algum momento da história, nossos descendentes deixarão de ser, sob muitos aspectos, seres humanos. Uma das idéias combatidas pelos transumanistas é que o envelhecimento e a morte são acontecimentos inevitáveis. Mas, ao contrário de algumas religiões, que pregam a imortalidade espiritual ou a vida depois da morte, os transumanistas acreditam na possibilidade da imortalidade física. Para isso, bastaria superar as atuais limitações biológicas do homem, por meio dos avanços esperados em áreas como nanotecnologia, engenharia genética e cibernética. Para os transumanistas, cedo ou tarde, vai chegar o dia em que a morte só ocorrerá por acidente ou por decisão voluntária.
Um dos principais teóricos do transumanismo foi o escritor F.M. Esfandiary. Filho de um diplomata iraniano, ele nasceu na Bélgica, em 1930, e escreveu algumas obras de ficção científica antes de mudar seu nome para FM-2030, por acreditar que viveria pelo menos até os 100 anos. “Eu não tenho idade. Nasço e renasço todos os dias. Pretendo viver para sempre. E provavelmente viverei, a não ser que ocorra um acidente”, disse certa vez.
FM-2030 morreu em 2000, aos 69 anos, vítima de câncer no pâncreas. Seu corpo foi congelado na Alcor Life Extension Foundation, nos Estados Unidos, seguindo a prática da criogenia, que consiste em preservar o corpo à baixa temperatura – à espera de um dia em que a ciência possa ressuscitá-lo e realizar sua obsessão de vida eterna.