Immanuel Kant – (Königsberg, 22 de abril de 1724 — Königsberg, 12 de fevereiro de 1804) foi um filósofo prussiano. Amplamente considerado como o principal filósofo da era moderna, Kant operou, na epistemologia, uma síntese entre o racionalismo continental (de René Descartes, Baruch Espinoza e Gottfried Wilhelm Leibniz, onde impera a forma de raciocínio dedutivo), e a tradição empírica inglesa (de David Hume, John Locke, ou George Berkeley, que valoriza a indução).
Por mais atrativo que seja, é muito questionável resumir o Esclarecimento a uma cega confiança nos valores da civilização ocidental. É verdade que empreendimentos como a Enciclopédia (1751-1772), editada por Diderot e D’Alembert, foram motivados pela convicção de que a difusão do saber contribuiria para o progresso moral dos homens. Mas, muito mais do que isso, o Esclarecimento foi uma meditação filosófica sobre a nossa inscrição na história. O que dá sentido à ideia do Esclarecimento é tomar o tempo histórico como um problema prático e moral, como uma questão que engaja o pensamento à ação, mesmo quando não faltam motivos para crer que vivemos em tempos sombrios.
Se o filósofo prussiano Immanuel Kant (1724-1804) ocupa um lugar de destaque neste debate, foi por ter realizado uma rigorosa amarração entre filosofia e atualidade. Isto fica claro em seu famoso texto “Resposta à questão: Que é Esclarecimento?”, publicado em 1784. A “questão” a que se refere o título havia sido proposta ao público pelo periódico Berlinische Monatsschrift (Mensário berlinense) no ano anterior. Kant inicia afirmando que o Esclarecimento “é a saída do homem da menoridade pela qual é o próprio culpado”. Esclarecer-se é emancipar-se. Mas do que exatamente? Da direção que os outros exercem sobre nós. Kant concebe a liberdade como autonomia, isto é, a possibilidade de extrairmos unicamente de nossa própria razão a norma de nossas condutas. Por isso o Esclarecimento liga-se diretamente com a moral: esclarecer-se é passar da heteronomia (sujeição à vontade de terceiros) para a autonomia.
A ideia mais importante deste texto de Kant, porém, é a de que a conquista da autonomia depende da relação que estabelecemos com o presente. Somos autônomos quando o presente se torna problema para nosso pensamento. O Esclarecimento não é uma utopia desmedida, mas uma perspectiva de reflexão e transformação do presente. Isto envolve reunir condições de cogitar sobre o sentido das formas através das quais existimos no dia a dia, que definem relações políticas e econômicas de poder. São formas bem palpáveis: o preço da condução que me leva de casa ao trabalho, as consequências das decisões públicas ou privadas que afetam minha vida, minha inserção em uma cultura ou em um gênero – tudo isso, Kant diria, diz respeito à relação entre liberdade e história. Pois a realização histórica da liberdade, aos olhos de Kant, depende fundamentalmente de pensarmos sobre o que estamos – ou sobre o que estão – fazendo de nossas vidas.
Esse pensar não é um conjunto de dogmas cuja verdade é estabelecida de uma vez por todas pela razão. Trata-se, isto sim, do que Kant chama de um “pensamento crítico”. O Esclarecimento, então, é uma atitude crítica sobre o presente, orientada por valores morais que dizem respeito à nossa existência conjunta.
Mas o que, afinal, Kant entende por “crítica”? Vejamos alguns exemplos concretos. Quando você julga bela uma obra de arte, reúne motivos que o fazem concluir pela sua beleza. O mesmo vale para um comportamento ou um costume: se você procura examiná-lo criticamente, deve mobilizar razões para justificar seu parecer, seja ele qual for. A pretensão de ser razoável e a ideia de fornecer razões da própria convicção indicam que a atividade crítica requer a presença de outros indivíduos, igualmente aptos para compreender o tema proposto e posicionar-se em relação a ele. Só há crítica em um debate público quando cada um de nós enuncia seus juízos, corrigindo-os através da comparação com o juízo alheio, quando se busca prevenir equívocos e formar consensos.
Ao contrário do que poderia parecer, é exatamente quando não dispomos de um critério último e definitivo sobre o assunto em pauta que se exercem a atividade e o juízo críticos. Ou seja, o fato de que nossos juízos possam modificar-se não significa que tenham sido formulados sem crítica. De forma oposta, a crítica traz consigo a necessidade de sua revisão a partir de novas razões que emergem a cada consideração que se faz do assunto. Não fosse assim, se transformaria em seu contrário: uma verdade que se espera que as pessoas aceitem sem questionar. O nome disso é dogma, e é o oposto do Esclarecimento.
Kant tinha motivos para crer que a transição da menoridade à maioridade estava em curso em sua época. As ideias circulavam como nunca antes na Europa, e 1789 foi o ano da Revolução Francesa, na qual Kant viu, com entusiasmo, um signo do progresso moral da humanidade.
Mas os frutos do Esclarecimento seriam postos à prova da própria razão crítica. O pensador alemão Karl Marx (1818-1883) viu na igualdade política iluminista, consagrada na revolução de 1789, a expressão ideológica da burguesia, que favorecia apenas uma minoria. Dois séculos depois, a literatura feminista mostrou que os textos canônicos do Esclarecimento deixaram de fora de sua proclamada emancipação as mulheres – e o mesmo se poderia dizer dos negros e dos árabes, por exemplo. Nos dois casos, a crítica ao Esclarecimento se encaminha para finalmente realizá-lo, seja pela revolução socialista proposta por Marx, seja pela incorporação dos excluídos à emancipação. Apontar que os ideais iluministas não foram verdadeiramente realizados pode ser bom motivo para reinterpretar o Esclarecimento à luz dos desafios contemporâneos, de modo a torná-lo abrangente e efetivo. Afinal, em Teoria e prática (1793), Kant recusa às mulheres o direito ao voto em uma legislação baseada na vontade popular; e nas aulas de antropologia, exprime prejuízos racistas de toda ordem contra povos não europeus. Como, diante disso, um partidário atual do iluminismo poderia se desincumbir de atualizá-lo? Mas será que algum dia haverá uma ruptura com a ideia de Esclarecimento? Isto tem um preço, mas não é impossível. E se nossa relação com a temporalidade, em vez de definir-se pela liberdade, fosse pautada, por exemplo, pela vida?
Algo assim foi pensado por Schopenhauer e, depois dele, por Nietzsche. De lá para cá, a ideia ganhou usos diversificados e até opostos entre si. Se nossa relação com a história é definida pela vida, não pela liberdade, tudo muda. Enquanto a liberdade unifica a espécie humana em torno de um ideal moral (mesmo sujeito a reformulações), a vida, ao contrário, torna a humanidade apenas uma forma de afirmação, entre outras. A própria história apresentaria outro rosto – talvez menos familiar do que o iluminista, mas nem por isso menos verdadeiro.
Ou você acha que a história, capaz de comportar perspectivas tão diversas, admitiria uma única aparência?
Obras
Pensamentos sobre o verdadeiro valor das forças vivas (1747);
História geral da Natureza ou teoria do céu (1755)
Monodologia Física (1756);
Meditações sobre o Optimismo (1759);
A Falsa Subtileza das Quatro Figuras Silogisticas (1762);
Dissertação sobre a forma e os princípios do mundo sensível e inteligível (1770);
Crítica da Razão Pura (1781);
Prolegômenos para toda metafísica futura que se apresente como ciência (1783);
Ideia de uma História Universal de um Ponto de Vista Cosmopolita (1784);
Fundamentação da Metafísica dos Costumes (1785);
Primeiros princípios metafísicos da ciência natural (1786);
Crítica da Razão Prática (1788);
Crítica do Julgamento (1790);
A Religião dentro dos limites da mera razão (1793);
A Paz Perpétua (1795);
Doutrina do Direito (1796);
A Metafísica da Moral (1797);
Princípios metafísicos da doutrina do direito (1797);
Antropologia do ponto de vista pragmático (1798)