Casta de Deserdados 2 – Itabaianinha


Ela tem 65 anos e mede 1,20 metro. Sua casa fica em uma rua tranquila de Itabaianinha, uma cidade de 40.000 habitantes no interior de Sergipe. Conhecida há gerações como “a cidade dos anões”, ali nasce uma quantidade incomum de moradores que não crescem acima de 1,45m. Nessa estatura, segundo os médicos, está a linha divisória entre o nanismo e o crescimento normal. Mas ser pequeno em Itabaianinha não é, afinal, tão estranho. Se no Brasil existe, em média, um anão para cada 10.000 habitantes, aqui são 25 vezes mais.

Não há um censo oficial, mas o número de moradores anões é estimado entre 70 e 100. Quem ficar tempo suficiente na praça principal verá passar o vendedor de tomates de menos de um metro e meio, um agricultor baixinho, aposentado, que todos os dias às 5h30 da manhã vai verificar o extrato do banco, ou Marinha, sempre de vestido e caminhando a passinhos curtos.

A acondroplasia, forma mais comum de nanismo (hereditária ou por mutação genética) produz troncos longos e extremidades anormalmente curtas. Muitos moradores de Itabaianinha têm corpos proporcionais, só que em escala menor. Sofrem outra rara alteração genética que afeta o receptor do hormônio do crescimento. É transmitida de pais para filhos, mas alguns portadores não a desenvolvem. A endogamia fez o fenômeno crescer exponencialmente: muitos anões, aparentados em maior ou menor medida, vêm de famílias de uma zona rural que costumava estar isolada, Carretéis.

Cheilane, a bisneta de Marinha, tem sete anos e a mesma altura da bisavó. A casa onde Marinha vive não é pequena, mas as duas encaixam perfeitamente, enquanto quem vem de fora tem a sensação de ser muito grande, muito brusco. Até a voz desafina, porque Marinha fala com o tom delicado e agudo da maioria dos anões. A cadeira de plástico parece ter sido feita para crianças e a pia é um pouco mais baixa que o normal. Mas os armários, a cama e a geladeira são do tamanho padrão e, para alcançar algumas coisas, Marinha precisa recorrer ao banquinho.

Os anões da cidade têm a mesma expectativa de vida dos demais moradores. Vivem cercados de mitos, como o de que a falta do hormônio de crescimento prolonga a vida. Há cinco anos, cientistas da universidade John Hopkins, nos Estados Unidos, vieram fazer uma pesquisa em Itabaianinha e acabaram descartando a possibilidade de a mutação ser uma fonte de juventude. Os anões não sofrem problemas especiais de saúde, exceto por certa tendência a colesterol alto e obesidade. Existe um programa governamental para injetar hormônio de crescimento em habitantes da cidade. Desde os anos 1990, os médicos, coordenados pelo doutor Manuel Hermínio Aguiar-Oliveira, trataram uma vintena de crianças com a mutação genética. O tratamento é gratuito e garante uma estatura normal, segundo o médico, mas alguns se recusam. “Quando alcançam 1,40 ou 1,50 de altura querem abandonar o tratamento. Não têm nenhuma vergonha de serem pequenos, aqui é algo comum. São ativos, trabalham, vivem bem”, explica Aguiar-Oliveira. Maria José dos Santos foi mãe de nove filhos e, na verdade, queria que Manuel e João, que desenvolveram a mutação genética, “ficassem assim”.