3671 – História – Ciência e Nazismo


A ciência produzida na Alemanha entre as décadas de 1930 e 1940 foi repugnante. Os experimentos causaram dor, humilhação e mortes terríveis às pessoas confinadas em campos de concentração – fossem elas judias, ciganas, homossexuais ou qualquer tipo de inimigo do regime. Acontece que os responsáveis por essas “pesquisas” podiam ser sádicos, mas não eram leigos. Pelo contrário. Muitos foram formados nas escolas mais tradicionais do planeta – antes da chegada dos nazistas ao poder, a Alemanha era um dos líderes mundiais em inovação científica. Metódicos como só pesquisadores alemães podem ser, eles sistematizaram as experiências, coletaram dados, chegaram a conclusões. E geraram informações que, além de inéditas na época, nunca mais foram reproduzidas em testes sérios – afinal de contas, e ainda bem, não é todo dia que aparece alguém propondo jogar ácido na pele de um ser humano para entender como nosso corpo reage à substância.
O médico Robert Pozos, diretor do Laboratório de Hipotermia da Universidade de Minnesota, nos EUA, é um deles. Ele estuda como nosso corpo responde ao frio para descobrir a melhor maneira de reanimar pessoas que cheguem quase congeladas aos hospitais. Mas o trabalho de Pozos enfrenta um sério problema: muitas de suas pesquisas não podem ser concluídas, pois há risco de morte quando a temperatura dos voluntários do estudo cai abaixo de 36 ºC. A única fonte conhecida de dados sobre seres humanos nessas condições são os experimentos nazistas. É ético utilizá-los com o intuito de salvar vidas? Pozos respondeu que sim. Em seguida, viu a New England Journal of Medicine, uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo, se recusar a publicar a pesquisa.
Primeira Guerra Mundial. Entrincheirados, soldados do Exército francês observam, atônitos, um inimigo desconhecido se aproximar. Alguns compreendem logo que é impossível combatê-lo e batem em retirada. Outros permanecem parados, sem saber o que fazer. Não têm idéia de como lutar contra o oponente mais letal que já enfrentaram: uma espessa nuvem verde-amarelada, de 1,5 m de altura.Dez minutos antes de a arma mortal varrer o ar, uma tropa que parecia saída de um filme de ficção científica havia tomado a dianteira do Exército alemão. O Pionierkommando 36 era um batalhão formado por cientistas com uniforme militar e máscaras protetoras, liderados por nada menos que um ganhador do Prêmio Nobel de Química, o alemão Fritz Haber. Ao sinal de Haber, foram abertos 730 cilindros, com 100 quilos cada um, de gás cloro em forma líquida. Assim nasceu a nuvem que, carregada pelo vento, partiu em direção à tropa inimiga, corroendo pulmões e cegando. Quando a bruma esverdeada se dissipou, os únicos integrantes do Exército aliado que permaneceram incólumes em seus postos foram 50 canhões. O saldo de estréia do novo gênero de combate: 10 mil mortos e 5 mil feridos.
A técnica de fixação da amônia a partir do nitrogênio do ar serviu tanto à criação de explosivos quanto ao desenvolvimento de fertilizantes baratos. Otto Hahn, outro laureado com o Nobel que liderou um ataque com gás, foi um dos descobridores do processo de fissão nuclear, que é usado em bombas atômicas, mas também em usinas de energia. “O Exército alemão se convenceu de que a ciência desenvolveria armas superiores, que compensariam as restrições à produção de armamento impostas pelo Tratado de Versalhes”, diz o pesquisador do Instituto Max Planck, Helmut Maier. “Após a guerra, a elite científica levou o país à liderança nos ramos de balística, química, aviação e construção de foguetes.”
Planck foi um dos cientistas que optaram por continuar na Alemanha nazista, mesmo não concordando com os ideais do novo regime. O físico Max von Laue, que costumava sair de casa com um embrulho debaixo de cada braço para não ter de fazer a saudação nazista, tomou a mesma decisão. Planck e Laue encorajavam colegas a não deixar o país, dizendo que deveriam esperar por dias melhores. Nem todos no mundo da ciência, porém, compartilhavam da mesma opinião. “A conduta dos intelectuais alemães como grupo não foi melhor que a de uma ralé”, afirmou Albert Einstein a respeito da reação de seus pares ao nazismo. Einstein, que era judeu, foi criticado por Laue quando decidiu abandonar a Alemanha rumo aos EUA, em 10 de março de 1933 – um mês antes de uma lei expulsar todos os descendentes de judeus do funcionalismo público, fazendo cerca de 1 000 cientistas de elite perderem o emprego. Passariam-se mais 30 dias até que universitários alemães saíssem às ruas para aplaudir as chamas que consumiram mais de 10 mil livros em praças públicas por toda a Alemanha. Se Einstein ainda estivesse no país, seria apenas um desempregado observando suas obras sobre a Teoria da Relatividade desaparecerem nas fogueiras do Reich. Mais um pouco de tempo e talvez o próprio Einstein cumprisse a profecia do poeta alemão Heinrich Heine: “Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas”.
A ciência sob Hitler
Química
Não existia rival à altura da química alemã antes das guerras. O país inventou a aspirina e a novocaína (anestesia usada por dentistas) e desenvolveu fertilizantes, corantes e microscópios muito mais baratos e eficientes. O setor foi um dos que mais se envolveram com o nazismo – a ponto de o maior conglomerado farmacêutico do mundo na época (e que depois da guerra se dividiria nas empresas Bayer, Hoechst e Basf) instalar uma fábrica dentro do campo de concentração de Auschwitz.
Matemática
Sob o regime de Hitler, o raciocínio matemático abstrato foi associado aos judeus e substituído pela “verdade empírica concreta” e a “intuição nórdica”. Perguntado certa vez sobre quanto a matemática havia sofrido, o alemão David Hilbert, um dos matemáticos mais importantes do século 20, respondeu: “Sofreu? Não sofreu, não. Ela simplesmente deixou de existir”.
Biologia
Entre 1933 e 1938, o financiamento para pesquisas aumentou em 10 vezes. Biólogos trabalhavam com relativa tranqüilidade – apenas 14% deles foram perseguidos. Mas a profunda ligação dos nazistas com a genética faz o ramo ser visto com reservas até hoje na Alemanha. “Uma perseguição completamente irracional à genética ainda existe”, afirma o cientista Benno Muller-Hill.
Física
A Alemanha foi o berço das idéias mais revolucionárias da física teórica: a mecânica quântica e a relatividade. Mesmo assim, esse foi o ramo da ciência mais prejudicado pela ascensão do nazismo: 25% do total de físicos deixou o país – entre eles 6 vencedores de prêmios Nobel.

Campos de concentração eram fábricas de cobaias-humanas
1. Auschwitz-Birkenau (abril de 1940 a janeiro de 1945)
Número de mortos – 1,1 milhão a 1,5 milhão.
Experiências – Pesquisas com gêmeos e anões; infecção com bactérias e vírus; eletrochoque; esterilização; remoção de partes de órgãos; ingestão de veneno; criação de feridas para testar novos medicamentos; operações e amputações desnecessárias.
2. Buchenwald (julho de 1937 a abril de 1945)
Número de mortos – 56 mil.
Experiências – Operações e amputações desnecessárias; contaminação com febre amarela, cólera e tuberculose; ingestão de comida envenenada; queimaduras com bombas incendiárias.
3. Ravensbrück (maio de 1939 a abril de 1945)
Número de mortos – Mínimo de 90 mil.
Experiências – Pesquisas fisiológicas, com remoção e transplante de nervos, músculos e ossos; esterilização; fuzilamento com balas envenenadas.
4. Dachau (março de 1933 a abril de 1945)
Número de mortos – Mínimo de 30 mil.
Experiências – Testes de hipotermia com exposição ao frio; câmeras de baixa pressão; infecção com vírus da malária; privação de líquidos com ingestão de água salgada.
5. Sachsenhausen (julho de 1936 a abril de 1945)
Número de mortos – 100 mil.
Experiências – Inalação e ingestão de gás mostarda; infecção forçada pelo vírus da hepatite; fuzilamento com munição envenenada.
6. Natzweiller-Struthof (maio de 1941 a setembro de 1944)
Número de mortos – 25 mil.
Experiências – Utilização de prisioneiros como “viveiros” de bactérias e vírus como os do tifo, varíola, febre amarela, cólera e difteria.
No ano de 1986, um encontro de neuropsicofarmacologia terminou em polêmica. Após a apresentação da pesquisa sobre esquizofrenia do psiquiatra alemão Berhard Bogerts, dois médicos acusaram Bogerts de não saber com certeza se dois dos cérebros que utilizara foram obtidos éticamente. Os cérebros, pertencentes à coleção do Instituto Vogt, em Düsseldorf, na Alemanha, eram de gêmeos que podem ter sido mortos por médicos nazistas. A polêmica colocou toda a coleção de cérebros do instituto sob suspeita.